REDAÇÃO
CAPÍTULO X
ANÁLISE
DE TEXTOS
DESCRITIVOS
ALDRY
SUZUKI AMO VOCÊS!!
1-
DESCRIÇÃO DE PESSOA
Ao descrever
uma pessoa ou uma paisagem, podemos reproduzir os pormenores físicos e/ ou
psicológicos.
Os
pormenores físicos compreendem as características apreendidas pelos sentidos
(visão, paladar, olfato, tato, audição), detalhando os aspectos exteriores de
ser: os traços faciais, as partes do
corpo ou ainda a maneira de andar, de
falar, de vestir.
Os pormenores
psicológicos revelam os aspectos emocionais ou mentais: caráter, comportamento,
temperamento , defeitos, virtudes, preferências, inclinações, personalidade.
A dosagem
equilibrada desses dois aspectos garante um texto descritivo em que a subjetividade
se projeta sobre a objetividade dos traços físicos: olhar viperino, sorriso
doce, passo tímido, gestos nervosos, boca desdenhosa, nariz altivo, cabelos
selvagens, dentes felinos, corpo sensual, andar provocante, voz envolvente.
Descrição
de pessoa em verso
O descrever
não é específico da prosa. Um poema pode também ser descritivo, construído em
linguagem objetiva e/ ou subjetiva, enquadrando uma imagem real ou imaginária.
Retrato
Eu não tinha esse rosto
de hoje,
Assim calmo, assim
triste, assim magro,
Nem estes olhos tão
vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha essas mãos
sem força,
Tão paradas e frias e
mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta
mudança,
Tão simples, tão certa,
tão fácil:
- Em que espelho ficou
perdida
A minha face?
(Cecilia
Meireles)
|
O poema é descritivo, pois
compõe o retrato do “eu” lírico. Através dos adjetivos, são revelados os estados interiores.
Os versos apresentam
sobretudo um estado de espírito, pois a adjetivação ultrapassa o aspecto físico
para simbolizar o universo íntimo de um “eu”
poético desesperançado,
introspectivo e pessimista.
Esse efeito estético em que
o estado de espírito vai além dos traços físicos resulta da combinatória de
palavras que a autora selecionou, num trabalho de linguagem em que o sentido
denotativo ( o valor real das palavras) é menos revelador que o sentido
conotativo figurado, subjetivo.
Portanto, é a conotação que
compõe o retrato psicológico nesse poema, através de expressões como “olho tão vazios”, “lábios amargo”, “mãos sem força
(...) frias e mortas “, “este coração que nem se mostra”.
Apenas “rosto
(...) magro”
pode ser interpretado denotativamente.
O poema explora o sentido
renovado das palavras através da conotação.
Esse recurso que privilegia
a emoção permitiu observar o processo de mudança íntima do “eu” poético.
Descrição
de pessoa em prosa
Observe a projeção dos dados
psicológicos sobre os aspectos físicos:
Ela não era feia;
amorenada, com os seus traços acanhados,
o narizinho malfeito, mas galante,
não muito baixa nem muito magra e a sua aparência de bondade passiva, de indolência
de corpo, de ideia e de sentidos.
(Lima Barreto)
|
Há descrições em que o
perfil psicológico é sugerido pelos dados físicos.
Muitas vezes, o observador
induz o leitor a perceber a interioridade da personagem, utilizando apenas a
descrição física.
Observe como Machado obtém
magistralmente esse efeito:
Chegando à rua,
arrependi-me de ter saído. A baronesa era uma das pessoas que mais
desconfiavam de nós. Cinquenta e cinco anos que pareciam quarenta, macia,
risonha, vestígios de beleza, porte elegante e maneiras finas. Não falava
muito nem sempre; possuía a grande arte de escutar os outros, espiando-os;
reclinava-se então na cadeira,
desembainhava um olhar afiado e comprido, e deixava-se estar. Os outros, não
sabendo o que era, falavam, olhavam, gesticulavam, ao tempo que ela olhava
só, ora fixa, ora móbil, levando a astúcia ao ponto de olhar às vezes para
dentro de si, porque deixava cair as pálpebras; mas, como as pestanas eram
rótulas, o olhar continuava o seu ofício, remexendo a alma e a vida dos outros.
(Machado de Assis)
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No texto acima, os traços
físicos, como maneirismos, trejeitos e ademanes, caracterizam, num amálgama de
impressões, de forma reveladora, o comportamento e a personalidade da personagem.
Nesse tempo meu pai e
minha mãe estavam caracterizados: um homem sério, de testa larga, uma das mais
belas testas que já vi, dentes fortes, queixo rijo, fala tremenda; uma
senhora enfezada, agressiva, ranzinza, sempre a mexer-se, bossas na cabeça
mal protegida por um cabelinho ralo, boca má, olhos maus que em momento de
cólera se inflamavam com um brilho de loucura. Esses dois entes difíceis
ajustavam-se.
(Graciliano Ramos)
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Na descrição da figura
paterna, a caracterização explora essencialmente os dados físicos: “testa
larga”, “dentes
fortes”. “queixo
rijo”,
“fala tremenda”.
Somente um aspecto psicológico define o pai: “homem
sério”.
Já a mãe se caracteriza quase que integralmente através
de impressões psicológicas: “enfezada”, “ranzinza”, “boca má”, “olhos maus”, “se inflamavam com um brilho de loucura”.
Fisicamente, temos: “bossas
na cabeça mal protegida por um cabelinho ralo”.
Meu pai era um
sonhador, minha mãe uma realista. Enquanto ela mantinha os pés firmemente plantados na terra, ele se
deixava erguer no balão iridescente de sua fantasia, recusando ver a
realidade, oferecendo a Lua a si mesmo, e aos outros, desejando sempre o
impossível...
(Érico Veríssimo)
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No texto de Veríssimo, somente
a visão psicológica compõe a imagem do pai e da mãe; enquanto ele é “sonhador”, ela é “realista”;
O autor transmite apenas
traços do comportamento: anseios, a mentalidade, a visão da realidade.
# Autorretrato
Passo então à inspeção. O vidro me manda a cara
espessa dum velho onde já não descubro o longo pescoço do adolescente e do
moço que fui, nem seus cabelos tão densos que pareciam dois fios nascidos de
cada brilho. Castanho, meu belho moreno corado. A beiçalhada sadia... Hoje o
pescoço encurtou, como se a massa dos ombros tivesse subido por ele, como
cheia em torno de pilastra de ponte. Cabelos brancos tão rarefeitos que o
crânio aparece dentro da transparência que eles fazem. Olhos avermelhados,
escleróticas sujas. Sua expressão, dentro do empapuçamenteo e sob o cenho
fechado, é de tristeza e tem um quê da máscara de choro de teatro. (...) Par
de sulcos fundos saem dos lados das ventas arreganhadas e seguem com as
bochechas caídas até o contorno da cara. A boca também despencou e tem mais
ou menos a forma de um “ V ” muito
aberto. Dolorosamente encaro o velho que tomou conta de mim e vejo que ele
foi configurado à custa de uma espécie de desbarrancamento, avalanche,
desmonte – queda dos traços e das partes moles deslizando sobre o esqueleto
permanente. Erosão.
(Pedro Nava)
|
Compondo seu autorretrato,
Pedro Nava empreende um percurso patético sobre os reflexos do próprio rosto,
desvendando-lhe as marcas do tempo. A juventude é lembrada para pôr em relevo a
velhice: “já não descubro o longo
pescoço do adolescente e do moço que fui”. As comparações
produzem uma imagem exacerbada da senilidade: “Hoje
o pescoço encurtou, como se a massa dos ombros tivesse subido por ele, como
cheia em torno de pilastra de ponte”.
Do inventário lexical – adjetivos, verbos e substantivos – usados para
se autodefinir, resultam impressões de desencanto, desalento e tristeza: “sua expressão, dentro do empapuçamento e sob
o cenho fechado, é de tristeza
e tem um quê de máscara de choro do teatro”.
Uma imagem caricatural surge
da dimensão hiperbólica dos traços: “ventas
arreganhadas”; ”boca
também despencou (...)”; “tem
mais ou menos a forma de um “ V “ muito
aberto”.
Metáforas de grande
expressividade traduzem a visão amarga e angustiante da senectude: “Dolorosamente encaro o velho que tomou conta
de mim e vejo que ele foi configurado à custa de uma espécie de
desbarrancamento, avalanche, desmonte – queda dos traços e das partes moles
deslizando sobre o esqueleto permanente. Erosão”.
Autorretrato
Eu sou um menino maior
que muitos e menor que outros. Na cabeça tenho cabelo que mamãe manda cortar
muito mais do que eu gosto e, na boca, muitos dentes, que doem.
Estou sempre maior que a roupa, por mais que a roupa do mês passado fosse muito grande. Só gosto de comer o que a mãe não me quer dar e ele só gosta de me dar o que eu detesto. Em matéria de brincadeiras as que eu gosto mais são as perversas, mas essa minha irmãzinha grita muito.
(Millôr Fernandes)
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Com irreverência e humor, Millôr Fernandes recupera, num
autorretrato, traços psicológicos e linguísticos da criança.
As noções de
tamanho – relevantes no universo infantil – ganham comicidade nos ingênuos
paralelismo semânticos: “Eu sou
um menino maior que muitos e menor que outros”. A redundância
tipicamente primária “Na
cabeça tenho cabelo...e, na boca, muitos dentes, que doem”
reproduz o ponto de vista de um observador infantil, cujas impressões físicas e
subjetivas se determinam pela comparação e pelo gosto.
É, pois, uma leveza de estilo
que se opõe frontalmente à austeridade da linguagem de Pedro Nava.
#
retrato grotesco
Bocatorta
Bocatorta excedeu a
toda a pintura. A hediondez personificara-se nele, avultando, sobretudo, na
monstruosa deformação da boca. Não tinha beiços, e as gengivas largas, violáceas,
com raros cotos de dentes bestiais fincados às tontas, mostravam-se cruas, como
enorme chaga viva. E torta, posta de viés na cara, num esgar diabólico,
resumindo o que o feio pode compor de horripilante. Embora se lhe estampasse
na boca o quanto fosse preciso para fazer aquela criatura a culminância da ascosidade,
a natureza malvada fora além, dando-lhe pernas cambaias e uns pés deformados
que nem remotamente lembrariam a fora de um pé humano. E olhos vivíssimos,
que pulavam das órbitas empapuçadas, veiados de sangue na esclerótica
amarela. E pele grumosa, escamada de escaras cinzentas. Tudo nele quebrava o
equilíbrio normal do corpo humano, como se a teratologia caprichasse em criar
a sua obra-prima.
(Monteiro Lobato)
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Quando as características
físicas de uma personagem fogem à normalidade de traços, essas anomalias podem
definir-se numa visão que ultrapassa o possível
para compor o hediondo, o grotesco.
A caracterização de Monteiro Lobato,
através de comparações e metáforas, põe em evidência uma aberração teratogênica
que aproxima o patológico do animalesco: “ e
as gengivas largas, violáceas, com raros cotos de dentes bestiais fincados às
tontas, mostravam-se cruas, como enorme chaga viva”.
# Caricatura
Cabelos compridos
-
Coitada da Das Dores, tão boazinha...
Das Dores é isso, só
isso – boazinha. Não possui outra qualidade. É feia, é desengraçada, é
inelegante, é magérrima, não tem seios, nem cadeiras, nem nenhuma rotundidade
posterior; é pobre de bens e de espírito; e é filha daquele Joaquim da Venda,
ilhéu de burrice ebúrnea – isto é, dura como o marfim. Moça que não tem por
onde se lhe pegue fica sendo apenas isso – boazinha.
- Coitada da Das Dores,
tão boazinha...
Só tem uma coisa a mais
que as outras – cabelo. A fita da sua trança toca-lhe a barra da saia. Em compensação,
suas ideias medem-se por frações de milímetro, tão curtinhas são. Cabelos
compridos, ideias curtas – já o dizia Shopenhauer.
A natureza pôs-lhe na
cabeça um tablóide homeopático de inteligência, um grânulo de memória, uma
pitada de raciocínio – e plantou a cabeleira por cima. Essa mesquinhez por
dentro. Por fora ornou-lhe a asa do nariz com um grão de ervilha, que ela
modestamente denomina verruga, arrebitou-lhe as ventas, rasgou-lhe boca de
dimensões comprometedoras e deu-lhe uns pés... Nossa senhora, que pés! E tantas outras pirraças lhe fez que
ao vê-la todos dizem comiserados:
- Coitada da Das Dores,
tão boazinha...
(Monteiro Lobato)
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O humor debochado despontou
da esdrúxula caracterização da personagem. O discurso direto reiterado (“ – coitada da Das Dores”)
reproduz uma impressão generalizada (“ao
vê-la todos dizem comiserados”) que se confirma nas
caracterizações particulares do observador:
“É feia,
é desengraçada, é inelegante, é magérrima (...).
A combinatória vocabular é
típica da capacidade inventiva de Monteiro Lobato: “Ilhéu
de burrice ebúrnea”. “um
tablóide homeopático de inteligência”, “um grânulo de memória”, “ornou-lhe a asa do nariz com um grão de
ervilha”.
A linguagem é íntima do leitor, pois instaura a
comicidade que torna inventiva e original a visão caricatural de uma figura
feminina.
#Tipo
Lá vem ele. E ganjento,
pilantra: roupinha de brim amarelo vincada a ferro; chapéu tombado de banda,
lenço e caneta no bolsinho do jaquetão abotoado; relógio de pulso, pegador de
monograma na gravata chumbadinha de vermelho.
(Mário Palmério)
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Se a criatura é a
exorbitância sobre os traços definidores
de uma personagem, o tipo é a representação ou o modelo que se firmou
culturalmente, sobretudo nas artes e na literatura.
O despojamento e a
irreverência da malandragem têm nos gestos
e nas roupas a sua expressividade maior: vinco, chapéu de banda, lenço e caneta à mostra, jaquetão abotoado,
relógio de pulso e pegador de gravata. O
observador explora visualmente esses adereços que tipificam o malandro.
A roupa é um recurso de
aparência que a literatura brasileira consagrou no tipo que vive de expedientes
e abusa da confiança alheia.
2-descrição
de cenário
A casa de Botafogo
Prédio talvez um pouco
antigo, porém limpo; desde o portão da
chácara pressentia-se logo que ali habitava gente fina e de gosto bem educado; atravessando-se o jardim por
entre a simetria dos canteiros e limosas estátuas cobertas de verdura e
enormes vasos de tinhorões e begônias
do Amazonas, e bolhas de vidro de várias cores com pedestral de ferro fosco,
e lampiões de três globos que surgiam de pequeninos grupos de palmeiras sem
tronco, e banco de madeira rústica, e
tambores de faiança azul-nanquim, alcançava-se uma vistosa escadaria de granito, cujo
patamar guarneciam duas grandes águias de bronze polido, com as asas em meio descanso , espalmando as nodosas garras
sobre colunatas de pedra branca. Na sala de entrada, por entre muitos objetos
de arte, notava-se, mesmo de passagem, meia dúzia de telas originais; umas em
cavaletes, outras suspensas contra a parede por grossos cordéis de seda
frouxa: e, afastando o soberbo reposteiro de repes verde que havia na porta
do fundo, penetrava-se imediatamente no principal salão da casa.
(Aluísio Azevedo)
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É mais do que uma enumeração
de plantas e adornos, pois o observador procede a um minucioso inventário de
detalhes, entre matérias, contornos e cores: “atravessando-se
o jardim por entre a simetria dos canteiros e limosas estátuas (...) e
tamboretes de faiança azul-nanquim”.
Isento de captações
subjetivas, o autor atravessa os espaços, registrando-os com fidelidade
fotográfica.
Trata-se de uma descrição
objetiva de cenário.
Há um pôr-de-sol de
primavera e uma velha casa abandonada. Está em ruínas.
A velha casa não mais
abriga vidas em seu interior. Tudo é passado. Tudo é lembrança. Hoje, apenas
almas juvenis brincam despreocupadas e felizes entre suas paredes trêmulas.
Em seu chão, despido da
madeira polida que a cobria, brotam ervas daninhas. Entre a vegetação que
busca minimizar as doces recordações do passado, surge a figura amarela e
suave da margarida, flor-mulher. As nuanças de suas cores sorriem e denunciam
lembranças de seus ocupantes.
A velha casa está em ruínas.
Pássaros saltitam e gorjeiam nas amuradas que a cercam. Seus trinados são
melodias no altar de temo à espera de redentoras orações. Raízes vorazes de
grandes árvores infiltram-se entre as pedras do alicerce e abalam suas
estruturas.
Agoniza a velha casa.
Agora, somente imagens desfilam, ao longo das noites. As janelas são bocas escancaradas.
A casa velha em ruínas
clama por vozes e movimento...
(Geraldo M. de Carvalho)
|
Na descrição de Geraldo M.
de Carvalho, o observador enquadra liricamente uma casa em ruínas.
Lançando sua
visão subjetiva e nostálgica sobre o cenário, reveste de metáforas e impressões
sinestésicas os espaços que sua sensibilidade percorre: “paredes trêmulas”, “suas cores sorriem”, “melodias
no altar do tempo”, “raízes vorazes”, “agoniza a velha casa”. “as janelas são
bocas escancaradas”.
Predomina, portanto, a descrição subjetiva
do cenário.
Uns inhos
engenheiros
Onde eu estava ali era
um quieto. O ameno âmbito, lugar entre-as-guerras e invasto territorinho,
fundo de chácara. Várias árvores. A manhã se-a-si bela: alvoradas aves. O ar
andava, terso, fresco. O céu – uma blusa. Uma árvore disse quantas flores,
outra respondeu dois pássaros. Esses, limpos. Tão lindos, meigos, quê?
Sozinhos adeuses. E eram o amor em sua forma aérea. Juntos voaram, às
alamedas frutígeras, voam com uniões e discrepâncias. Indo que mais iam,
voltavam. O mundo é todo encantado. Instante estive lá, por um evo , atento
apenas ao auspício.
Perto, pelo pomar,
tem-se o plenário deles, que pilucam as frutas: gaturamossabiassanhaços. De seus
pios e cantos respinga um pouco até aqui. Vez ou vez, qual que qual, vem um,
pessoativo, se avizinha. Aonde já se despojaram as laranjeiras, do redondo de
laranjas só resta uma que outra, se sim podere ou muruchuca, para se picorar.
Mas há uma fiqueira, porrada, a grande apípara. Os figos atraem. O sabiá
pulador. O sabiazinho imperturbado. Sabiá dos pés de chumbo os sanhaços lampejam
um entrepossível azul, sacam-se oblíquos do espaço, sempre novos, sempre
laivos. O gaturamo é o antes, é seu reflexo sem espelhos, minúscula
imensidão,é: minuciosamente indescriptível. O sabiá, só. Ou algum guaxe,
brusco, que de mais fora se trouxe.
Diz-se tlique – e dá-se
um dissipar de voos. Tão enfins, punhado. E mesmo os que vêm a outro esmo,
que não o de frugivorar. O tico-tico, no saltitanteio, o safar-se de surpresa
em surpresa, tico-te-tico no levitar preciso. Ou uma garricha, a corruir, a
chilra silvetriz das hortas, de traseirinho arrebitado, que se espevita sobre
a cerca, e camba – apontada, imenentíssima. De âmago: as rolas. No entre
mil,porém, esse par valeria diferente, vê-se de outra espécie – de rara
oscilabilidae e silfidez. Quê?, qual? Sei, num certo sonho, um deles já
acudiu por “o apavoradinho”, ave Maria! E há quem lhes dê o apodo de
Mariquinha Tece-seda. São os que sim sós. Podem-se imiscuir com o silêncio. O
ao alto. A alma arbórea. A graça sem pausas. Amavio. São mais que existe o
sol, mais a mim, de outrures. Aqui entramos dentro da amizade.
( Guimarães Rosa )
|
Na criatividade linguística
de Guimarães Rosa, uma paisagem campestre é recriada com dinamismo e
poeticidade.
O lirismo se faz presente nos neologismos: “gaturamossabiassanhaços”. “pessoativo”, “entrepossível”,
“frugivorar”, “saltitanteio”, “silvetriz”. “amavio”, e
outros recursos expressivos que dão cadência melódica no fragamento descritivo:
“O sabiá, só”. “Tão enfins, punhado”.
“O ao alto. A alma arbórea”. A presença do observador
sensibilizado diante do cenário (“O mundo
é todo encantado”, “tão lindos, meigos, quê?”) chega ao
enternecimento quando capta cinematograficamente os movimentos do pássaros: “O tico-tico, no saltitanteio, a safar-se de
surpresa em surpresa, tico-te-tico no levitar preciso”.
A
singularidade da linguagem garante a exclusividade do espaço retratado, que é o
único, porque é roseano.
Bom estudo meus amores, com muita paz , luz , tenham uma esplendorosa semana cheio de glórias e realizaçãos, com carinho de sua eterna Prof Dr Master Reikiana Aldry Suzuki