quarta-feira, 6 de julho de 2016

REDAÇÃO X - ANÁLISE DE TEXTOS DESCRITIVOS - ALDRY SUZUKI AMO VOCÊS!!





REDAÇÃO  CAPÍTULO X



ANÁLISE DE TEXTOS 

DESCRITIVOS

ALDRY SUZUKI  AMO VOCÊS!!




1-    DESCRIÇÃO DE PESSOA

Ao descrever uma pessoa ou uma paisagem, podemos reproduzir os pormenores físicos e/ ou psicológicos.

Os pormenores físicos compreendem as características apreendidas pelos sentidos (visão, paladar, olfato, tato, audição), detalhando os aspectos exteriores de ser: os traços  faciais, as partes do corpo ou ainda  a maneira de andar, de falar, de vestir.


Os pormenores psicológicos revelam os aspectos emocionais ou mentais: caráter, comportamento, temperamento , defeitos, virtudes, preferências, inclinações, personalidade.


A dosagem equilibrada desses dois aspectos garante um texto descritivo em que a subjetividade se projeta sobre a objetividade dos traços físicos: olhar viperino, sorriso doce, passo tímido, gestos nervosos, boca desdenhosa, nariz altivo, cabelos selvagens, dentes felinos, corpo sensual, andar provocante, voz envolvente.



Descrição de pessoa em verso

O descrever não é específico da prosa. Um poema pode também ser descritivo, construído em linguagem objetiva e/ ou subjetiva, enquadrando uma imagem real ou       imaginária.



Retrato
Eu não tinha esse rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.

Eu não tinha essas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
A minha face?
                     (Cecilia Meireles)



O poema é descritivo, pois compõe o retrato do “eulírico. Através dos adjetivos, são revelados os estados interiores.


Os versos apresentam sobretudo um estado de espírito, pois a adjetivação ultrapassa o aspecto físico para simbolizar o universo íntimo de um “eupoético desesperançado, introspectivo e pessimista.


Esse efeito estético em que o estado de espírito vai além dos traços físicos resulta da combinatória de palavras que a autora selecionou, num trabalho de linguagem em que o sentido denotativo ( o valor real das palavras) é menos revelador que o sentido conotativo figurado, subjetivo.

Portanto, é a conotação que compõe o retrato psicológico nesse poema, através  de expressões como “olho tão vazios”, “lábios amargo”, “mãos sem força (...) frias e mortas “, “este coração que nem se mostra”. Apenas “rosto (...) magro” pode ser interpretado denotativamente.


O poema explora o sentido renovado das palavras através da conotação.

Esse recurso que privilegia a emoção permitiu observar o processo de mudança íntima do “eupoético.



Descrição de pessoa em prosa


Observe a projeção dos dados psicológicos sobre os aspectos físicos:


Ela não era feia; amorenada, com os seus traços acanhados, o narizinho malfeito, mas galante, não muito baixa nem muito magra e a sua aparência de bondade passiva, de indolência de corpo, de ideia e de sentidos.

                                   (Lima Barreto)


Há descrições em que o perfil psicológico é sugerido pelos dados físicos.


Muitas vezes, o observador induz o leitor a perceber a interioridade da personagem, utilizando apenas a descrição  física.


Observe como Machado obtém magistralmente esse efeito:


Chegando à rua, arrependi-me de ter saído. A baronesa era uma das pessoas que mais desconfiavam de nós. Cinquenta e cinco anos que pareciam quarenta, macia, risonha, vestígios de beleza, porte elegante e maneiras finas. Não falava muito nem sempre; possuía a grande arte de escutar os outros, espiando-os; reclinava-se então  na cadeira, desembainhava um olhar afiado e comprido, e deixava-se estar. Os outros, não sabendo o que era, falavam, olhavam, gesticulavam, ao tempo que ela olhava só, ora fixa, ora móbil, levando a astúcia ao ponto de olhar às vezes para dentro de si, porque deixava cair as pálpebras; mas, como as pestanas eram rótulas, o olhar continuava o seu ofício, remexendo a alma e a vida dos outros.

                               (Machado de Assis)


No texto acima, os traços físicos, como maneirismos, trejeitos e ademanes, caracterizam, num amálgama de impressões, de forma reveladora, o comportamento e a personalidade da personagem.


Nesse tempo meu pai e minha mãe estavam caracterizados: um homem sério, de testa larga, uma das mais belas testas que já vi, dentes fortes, queixo rijo, fala tremenda; uma senhora enfezada, agressiva, ranzinza, sempre a mexer-se, bossas na cabeça mal protegida por um cabelinho ralo, boca má, olhos maus que em momento de cólera se inflamavam com um brilho de loucura. Esses dois entes difíceis ajustavam-se.
                        (Graciliano Ramos)



Na descrição da figura paterna, a caracterização explora essencialmente os dados físicos: “testa larga”, “dentes fortes”. “queixo rijo”, “fala tremenda”. Somente um aspecto psicológico define o pai: “homem sério”.

 Já a mãe se caracteriza quase que integralmente através de impressões psicológicas: “enfezada”, “ranzinza”, “boca má”, “olhos maus”, “se inflamavam com um brilho de loucura”. Fisicamente, temos: “bossas na cabeça mal protegida por um cabelinho ralo”.


Meu pai era um sonhador, minha mãe uma realista. Enquanto ela   mantinha os pés   firmemente plantados na terra, ele se deixava erguer no balão iridescente de sua fantasia, recusando ver a realidade, oferecendo a Lua a si mesmo, e aos outros, desejando sempre o impossível...
                              (Érico Veríssimo)



No texto de Veríssimo, somente a visão psicológica compõe a imagem do pai e da mãe; enquanto ele é “sonhador”, ela é “realista”;

O autor transmite apenas traços do comportamento: anseios, a mentalidade, a visão da realidade.



# Autorretrato



Passo  então à inspeção. O vidro me manda a cara espessa dum velho onde já não descubro o longo pescoço do adolescente e do moço que fui, nem seus cabelos tão densos que pareciam dois fios nascidos de cada brilho. Castanho, meu belho moreno corado. A beiçalhada sadia... Hoje o pescoço encurtou, como se a massa dos ombros tivesse subido por ele, como cheia em torno de pilastra de ponte. Cabelos brancos tão rarefeitos que o crânio aparece dentro da transparência que eles fazem. Olhos avermelhados, escleróticas sujas. Sua expressão, dentro do empapuçamenteo e sob o cenho fechado, é de tristeza e tem um quê da máscara de choro de teatro. (...) Par de sulcos fundos saem dos lados das ventas arreganhadas e seguem com as bochechas caídas até o contorno da cara. A boca também despencou e tem mais ou menos a forma de um “ V ”  muito aberto. Dolorosamente encaro o velho que tomou conta de mim e vejo que ele foi configurado à custa de uma espécie de desbarrancamento, avalanche, desmonte – queda dos traços e das partes moles deslizando sobre o esqueleto permanente. Erosão.
                                  (Pedro Nava)


Compondo seu autorretrato, Pedro Nava empreende um percurso patético sobre os reflexos do próprio rosto, desvendando-lhe as marcas do tempo. A juventude é lembrada para pôr em relevo a velhice: “já não descubro o longo pescoço do adolescente e do moço que fui”. As comparações produzem uma imagem exacerbada da senilidade: “Hoje o pescoço encurtou, como se a massa dos ombros tivesse subido por ele, como cheia em torno de pilastra de ponte”. 

Do inventário lexical – adjetivos, verbos e substantivos – usados para se autodefinir, resultam impressões de desencanto, desalento e tristeza: “sua expressão, dentro do empapuçamento e sob o            cenho fechado, é de tristeza e tem um quê de máscara de choro do teatro”.


Uma imagem caricatural surge da dimensão hiperbólica dos traços: “ventas arreganhadas”; ”boca também despencou (...)”; “tem mais ou menos a forma de um “ V “  muito aberto”.

Metáforas de grande expressividade traduzem a visão amarga e angustiante da senectude: “Dolorosamente encaro o velho que tomou conta de mim e vejo que ele foi configurado à custa de uma espécie de desbarrancamento, avalanche, desmonte – queda dos traços e das partes moles deslizando sobre o esqueleto permanente. Erosão”.

Autorretrato
Eu sou um menino maior que muitos e menor que outros. Na cabeça tenho cabelo que mamãe manda cortar muito mais do que eu gosto e, na boca, muitos dentes, que doem.
Estou sempre maior que a roupa, por mais que a roupa do mês passado fosse muito grande. Só gosto de comer o que a mãe não me quer dar e ele só gosta de me dar o que eu detesto. Em matéria de brincadeiras as que eu gosto mais são as perversas, mas essa minha irmãzinha grita muito
.

                                 (Millôr Fernandes)



Com irreverência e  humor, Millôr Fernandes recupera, num autorretrato, traços psicológicos e linguísticos da criança. 

As noções de tamanho – relevantes no universo infantil – ganham comicidade nos ingênuos paralelismo semânticos: “Eu sou um menino maior que muitos e menor que outros”. A redundância tipicamente primária “Na cabeça tenho cabelo...e, na boca, muitos dentes, que doem” reproduz o ponto de vista de um observador infantil, cujas impressões físicas e subjetivas se determinam pela comparação e pelo gosto. 

É, pois, uma leveza de estilo que se opõe frontalmente à austeridade da linguagem de Pedro Nava.


# retrato grotesco

Bocatorta

Bocatorta excedeu a toda a pintura. A hediondez personificara-se nele, avultando, sobretudo, na monstruosa deformação da boca. Não tinha beiços, e as gengivas largas, violáceas, com raros cotos de dentes bestiais fincados às tontas, mostravam-se cruas, como enorme chaga viva. E torta, posta de viés na cara, num esgar diabólico, resumindo o que o feio pode compor de horripilante. Embora se lhe estampasse na boca o quanto fosse preciso para fazer aquela criatura a culminância da ascosidade, a natureza malvada fora além, dando-lhe pernas cambaias e uns pés deformados que nem remotamente lembrariam a fora de um pé humano. E olhos vivíssimos, que pulavam das órbitas empapuçadas, veiados de sangue na esclerótica amarela. E pele grumosa, escamada de escaras cinzentas. Tudo nele quebrava o equilíbrio normal do corpo humano, como se a teratologia caprichasse em criar a sua obra-prima.

                                  (Monteiro Lobato)



Quando as características físicas de uma personagem fogem à normalidade de traços, essas anomalias podem definir-se numa visão que ultrapassa o possível  para compor o hediondo, o grotesco. 

A caracterização de Monteiro Lobato, através de comparações e metáforas, põe em evidência uma aberração teratogênica que aproxima o patológico do animalesco: “ e as gengivas largas, violáceas, com raros cotos de dentes bestiais fincados às tontas, mostravam-se cruas, como enorme chaga viva”.


# Caricatura


Cabelos compridos

- Coitada da Das Dores, tão boazinha...
Das Dores é isso, só isso – boazinha. Não possui outra qualidade. É feia, é desengraçada, é inelegante, é magérrima, não tem seios, nem cadeiras, nem nenhuma rotundidade posterior; é pobre de bens e de espírito; e é filha daquele Joaquim da Venda, ilhéu de burrice ebúrnea – isto é, dura como o marfim. Moça que não tem por onde se lhe pegue fica sendo apenas isso – boazinha.
- Coitada da Das Dores, tão boazinha...
Só tem uma coisa a mais que as outras – cabelo. A fita da sua trança toca-lhe a barra da saia. Em compensação, suas ideias medem-se por frações de milímetro, tão curtinhas são. Cabelos compridos, ideias curtas – já o dizia Shopenhauer.
A natureza pôs-lhe na cabeça um tablóide homeopático de inteligência, um grânulo de memória, uma pitada de raciocínio – e plantou a cabeleira por cima. Essa mesquinhez por dentro. Por fora ornou-lhe a asa do nariz com um grão de ervilha, que ela modestamente denomina verruga, arrebitou-lhe as ventas, rasgou-lhe boca de dimensões comprometedoras e deu-lhe uns pés... Nossa senhora, que  pés! E tantas outras pirraças lhe fez que ao vê-la todos dizem comiserados:
- Coitada da Das Dores, tão boazinha...

                       (Monteiro Lobato)


O humor debochado despontou da esdrúxula caracterização da personagem. O discurso direto reiterado (“ – coitada da Das Dores”) reproduz uma impressão generalizada (“ao vê-la todos dizem comiserados”) que se confirma nas caracterizações particulares do observador:


É feia, é desengraçada, é inelegante, é magérrima (...).

A combinatória vocabular é típica da capacidade inventiva de Monteiro Lobato: “Ilhéu de burrice ebúrnea”. “um tablóide homeopático de inteligência”, “um grânulo de memória”, “ornou-lhe a asa do nariz com um grão de ervilha”. 

A linguagem é íntima do leitor, pois instaura a comicidade que torna inventiva e original a visão caricatural de uma figura feminina.




#Tipo

Lá vem ele. E ganjento, pilantra: roupinha de brim amarelo vincada a ferro; chapéu tombado de banda, lenço e caneta no bolsinho do jaquetão abotoado; relógio de pulso, pegador de monograma na gravata chumbadinha de vermelho.

                        (Mário Palmério)

Se a criatura é a exorbitância sobre os traços  definidores de uma personagem, o tipo é a representação ou o modelo que se firmou culturalmente, sobretudo nas artes e na literatura.


O despojamento e a irreverência da malandragem  têm nos gestos e nas roupas a sua expressividade maior: vinco, chapéu  de banda, lenço e caneta à mostra, jaquetão abotoado, relógio de pulso e pegador de gravata. O  observador explora visualmente esses adereços  que tipificam o malandro.


A roupa é um recurso de aparência que a literatura brasileira consagrou no tipo que vive de expedientes e abusa da confiança alheia.






2-descrição de cenário


A casa de Botafogo

Prédio talvez um pouco antigo, porém limpo; desde o portão  da chácara pressentia-se logo que ali habitava gente fina e de gosto  bem educado; atravessando-se o jardim por entre a simetria  dos canteiros  e limosas estátuas cobertas de verdura e enormes  vasos de tinhorões e begônias do Amazonas, e bolhas de vidro de várias cores com pedestral de ferro fosco, e lampiões de três globos que surgiam de pequeninos grupos de palmeiras sem tronco, e banco de madeira  rústica, e tambores de faiança azul-nanquim, alcançava-se  uma vistosa escadaria de granito, cujo patamar guarneciam duas grandes águias de bronze polido, com as asas em meio  descanso , espalmando as nodosas garras sobre colunatas de pedra branca. Na sala de entrada, por entre muitos objetos de arte, notava-se, mesmo de passagem, meia dúzia de telas originais; umas em cavaletes, outras suspensas contra a parede por grossos cordéis de seda frouxa: e, afastando o soberbo reposteiro de repes verde que havia na porta do fundo, penetrava-se imediatamente no principal salão da casa.

                           (Aluísio Azevedo)

É mais do que uma enumeração de plantas e adornos, pois o observador procede a um minucioso inventário de detalhes, entre matérias, contornos e cores: “atravessando-se o jardim por entre a simetria dos canteiros e limosas estátuas (...) e tamboretes de faiança azul-nanquim”.


Isento de captações subjetivas, o autor atravessa os espaços, registrando-os com fidelidade fotográfica.

Trata-se de uma descrição objetiva de cenário.



Há um pôr-de-sol de primavera e uma velha casa abandonada. Está em ruínas.
A velha casa não mais abriga vidas em seu interior. Tudo é passado. Tudo é lembrança. Hoje, apenas almas juvenis brincam despreocupadas e felizes entre suas paredes trêmulas.
Em seu chão, despido da madeira polida que a cobria, brotam ervas daninhas. Entre a vegetação que busca minimizar as doces recordações do passado, surge a figura amarela e suave da margarida, flor-mulher. As nuanças de suas cores sorriem e denunciam lembranças de seus ocupantes.
A velha casa está em ruínas. Pássaros saltitam e gorjeiam nas amuradas que a cercam. Seus trinados são melodias no altar de temo à espera de redentoras orações. Raízes vorazes de grandes árvores infiltram-se entre as pedras do alicerce e abalam suas estruturas.
Agoniza a velha casa.
Agora, somente imagens desfilam, ao longo das noites. As janelas são bocas escancaradas.
A casa velha em ruínas clama por vozes e movimento...

                         (Geraldo M. de Carvalho)


Na descrição de Geraldo M. de Carvalho, o observador enquadra liricamente uma casa em ruínas. 

Lançando sua visão subjetiva e nostálgica sobre o cenário, reveste de metáforas e impressões sinestésicas os espaços que sua sensibilidade percorre: “paredes trêmulas”, “suas cores sorriem”, “melodias no altar do tempo”, “raízes vorazes”, “agoniza a velha casa”. “as janelas são bocas escancaradas”

Predomina, portanto, a descrição subjetiva do cenário.


Uns inhos engenheiros

Onde eu estava ali era um quieto. O ameno âmbito, lugar entre-as-guerras e invasto territorinho, fundo de chácara. Várias árvores. A manhã se-a-si bela: alvoradas aves. O ar andava, terso, fresco. O céu – uma blusa. Uma árvore disse quantas flores, outra respondeu dois pássaros. Esses, limpos. Tão lindos, meigos, quê? Sozinhos adeuses. E eram o amor em sua forma aérea. Juntos voaram, às alamedas frutígeras, voam com uniões e discrepâncias. Indo que mais iam, voltavam. O mundo é todo encantado. Instante estive lá, por um evo , atento apenas ao auspício.
Perto, pelo pomar, tem-se o plenário deles, que pilucam as frutas: gaturamossabiassanhaços. De seus pios e cantos respinga um pouco até aqui. Vez ou vez, qual que qual, vem um, pessoativo, se avizinha. Aonde já se despojaram as laranjeiras, do redondo de laranjas só resta uma que outra, se sim podere ou muruchuca, para se picorar. Mas há uma fiqueira, porrada, a grande apípara. Os figos atraem. O sabiá pulador. O sabiazinho imperturbado. Sabiá dos pés de chumbo os sanhaços lampejam um entrepossível azul, sacam-se oblíquos do espaço, sempre novos, sempre laivos. O gaturamo é o antes, é seu reflexo sem espelhos, minúscula imensidão,é: minuciosamente indescriptível. O sabiá, só. Ou algum guaxe, brusco, que de mais fora se trouxe.
Diz-se tlique – e dá-se um dissipar de voos. Tão enfins, punhado. E mesmo os que vêm a outro esmo, que não o de frugivorar. O tico-tico, no saltitanteio, o safar-se de surpresa em surpresa, tico-te-tico no levitar preciso. Ou uma garricha, a corruir, a chilra silvetriz das hortas, de traseirinho arrebitado, que se espevita sobre a cerca, e camba – apontada, imenentíssima. De âmago: as rolas. No entre mil,porém, esse par valeria diferente, vê-se de outra espécie – de rara oscilabilidae e silfidez. Quê?, qual? Sei, num certo sonho, um deles já acudiu por “o apavoradinho”, ave Maria! E há quem lhes dê o apodo de Mariquinha Tece-seda. São os que sim sós. Podem-se imiscuir com o silêncio. O ao alto. A alma arbórea. A graça sem pausas. Amavio. São mais que existe o sol, mais a mim, de outrures. Aqui entramos dentro da amizade.

                              (  Guimarães Rosa )



Na criatividade linguística de Guimarães Rosa, uma paisagem campestre é recriada com dinamismo e poeticidade. 

O lirismo se faz presente nos neologismos: “gaturamossabiassanhaços”. “pessoativo”, “entrepossível”, “frugivorar”, “saltitanteio”, “silvetriz”. “amavio”, e outros recursos expressivos que dão cadência melódica no fragamento descritivo: “O sabiá, só”. “Tão enfins, punhado”. “O ao alto. A alma arbórea”. A presença do observador sensibilizado diante do cenário (“O mundo é todo encantado”, “tão lindos, meigos, quê?”) chega ao enternecimento quando capta cinematograficamente os movimentos do pássaros: “O tico-tico, no saltitanteio, a safar-se de surpresa em surpresa, tico-te-tico no levitar preciso”. 

A singularidade da linguagem garante a exclusividade do espaço retratado, que é o único, porque é roseano.


Bom estudo meus amores, com muita paz , luz  , tenham uma esplendorosa semana cheio de glórias e realizaçãos, com carinho de sua eterna Prof Dr Master Reikiana Aldry Suzuki 



segunda-feira, 4 de julho de 2016

REDAÇÃO IX - DESCRIÇÃO - ALDRY SUZUKI AMO VOCÊS!!!






REDAÇÃO CAPÍTULO IX – 


DESCRIÇÃO –


ALDRY SUZUKI AMO VOCÊS !!







O homem não é um espectador através de uma janela, mais penetra na rua. A vista e o ouvido atento transformam mínimas comoções em grandes vivencias. De todas as partes fluem vozes e o mundo inteiro ressoa. Como um explorador que se aventura por territórios desconhecidos, fazemos nossas descobertas no cotidiano.
(V.Kandinsky)




1.        Introdução

A descrição é um texto, literário ou não, em que se caracterizam seres, coisas e paisagens.

A pormenorização que individualiza o ser descrito é obtida pelo uso de adjetivos, de figuras de linguagem e de verbos de estado ou condição.

Raramente encontramos um texto exclusivamente descritivo.

Quase sempre a descrição vem mesclada a outras modalidades, caracterizando uma personagem, detalhando um cenário, um ambiente ou paisagem, dentro de um romance, conto, crônica ou novela.


A descrição pura aparece geralmente como parte de um relatório técnico, como no caso da descrição de peças de maquinas, órgãos do corpo humano, funcionamento de determinados aparelhos (descrição de processo ou funcional).

Dessa maneira, na prática, seja literária, seja técnico-científica, a descrição é sempre um fragmento, e um parágrafo dentro de uma narração, é parte de um relatório, de uma pesquisa, de dissertações em geral.

Mas o estudante precisa aprender a descrever; a pratica escolar assim o exige.

 Geralmente pede-se um texto menor que a narração ou a dissertação.

Um texto descritivo com aproximadamente 15 linhas costuma conter todos os aspectos caracterizadores que permitam ao leitor visualizar o ser ou abjeto descrito.

Para tanto, o observador deve explorar as sensações gustativas, olfativas, auditivas, visuais, táteis e as impressões subjetivas.





2.        O que se descreve
Podemos descrever o que vemos (aquilo que está  próximo), o que imaginamos (aquilo que conhecemos mas não está próximo no momento da descrição) ou o que nossa imaginação cria, qualquer entidade inventada: um ser extraterreno, uma mulher que você nunca viu, uma habitação futurista, um aparelho inovados etc.





3.        Como se descreve
De acordo com os objetivos de quem escreve, a descrição pode privilegiar diferentes aspectos:
·       Pormenorização – corresponde a uma persistência na caracterização de detalhes;
·       Dinamização – e a captação dos movimentos de objetos e seres;
·       Impressão – são os filtros da subjetividade, da atividade psicológica, interpretando os elementos observados.




4.        A organização da descrição
No processo de composição de uma redação descritiva, o emissor seleciona os elementos e organizados, para levar o receptor a formar ou conhecer a imagem do objeto descrito, isto é, a concebe-lo sensorial ou perceptualmente .
A descrição é fundamentalmente espacial. Podem aparecer índices temporais, porem sua função é meramente circunstancial: servem apenas para precisar o registro descritivo.



Observe como Vinícius de morais descreve a casa materna, priorizando o espaço, mais situando-a num tempo subjetivo que só existe nas impressões interiorizadas da lembrança do observador:


A casa materna
Há, desde a entrada, um sentimento de tempo na casa materna. As grandes do portão tem uma velha ferrugem e o tricô se oculta num lugar que só a mão filial, fiel a um gesto de infância, desfolha ao longo da haste.
É sempre quieta a casa materna, mesmo aos domingos, quando as mãos filiais se pousam sobre a mesa farta do almoço, repetindo uma antiga imagem. Há um tradicional silencio em suas salas e um dorido repouso em suas poltronas. O assoalho encerado, sobre as mesmas manchas e o mesmo taco solto da cachorrinha preta, guarda as mesmas manchas e o mesmo taco solto de outras primaveras. As coisas vivem como em prece, nos mesmos lugares onde as situaram as mãos maternas quando eram moças e lisas. Rostos irmãos se olham dos porta-retratos, a se amarem e compreenderem mudamente. O piano fechado, com uma longa tira de flanela sobre as teclas, repete ainda passadas valsas, de quando as mãos maternas careciam sonhar.
A casa materna é o espelho de outras, em pequenas coisas que o olhar filial admirava ao tempo que tudo era  belo: o licoreiro magro, a bandeja triste, o absurdo bibelô. E tem um corredor à escuta de cujo cheios de sombras. Na estante, junto à escada, há um tesouro da juventude com o dorso puído de tato e  de tempo. Foi ali que o olhar filial primeiro viu a forma suprema de beleza: o verso.
 Na escada há o degrau que estala e anuncia aos ouvidos maternos a presença dos passos filiais. Pois a casa materna se divide em dois mundos: o térreo, onde se processa a vida presente, e o de cima, onde vive a memória. Embaixo há sempre coisas fabulosas na geladeira e no armário da copa: roquefort amassado, ovos frescos, mangas-espadas, untuosas compotas, bolos de chocolate, biscoito de araruta – pois não há lugar mais propício do que a casa materna para uma boa ceia noturna. E porque é uma casa velha, há sempre uma barata que aparece e é morta com uma repugnância que vem de longe. Em cima ficaram guardados antigos, livros que lembram a infância, o pequeno oratório em frente ao qual ninguém, a não ser a figura materna, sabe por que queima, às vezes, uma vela votiva. E a cama onde a figura paterna repousava de sua agitação diurna. Hoje, vazia.
A imagem paterna persiste no interior da casa materna. Seu violão dorme encostado junto a vitrola. Seu corpo como que se marca ainda na velha poltrona da sala e como se pode ouvir ainda o brando ronco de sua sesta dominical. Ausente para sempre da casa materna, a figura paterna parece mergulha-la docemente na eternidade, quanto as mãos maternas se faziam mais lentas e mãos filiais mais unidas em torno da grande mesa, onde já vibram também vozes infantis.
(Vinícius de Moraes)






5.        Elementos predominantes na descrição

·       Frases nominais (sem verbo) ou orações em que predominam verbos de estado ou condição (ser, estar, ficar, parecer, permanecer etc.)

Sol já meio de esguelha, sol das três horas. A areia, um borralho de quente. A caatinga, um mundo perdido. Tudo, tudo parado: parado e morto.      
                                                     (Mário Palmério)

Efetivamente a rua era aquela; e o velho palácio estava na minha frente. Era um palácio de trezentos anos, cor de barro, que me parecia muito familiar quanto ao desenho de sua alta porta, aos ornatos das colunas e ao lançamento da escada do vestíbulo.
(Cecília Meireles)

·       Frases enumerativas: sequência de nomes, geralmente sem verbo.

    
Obs.: não se deve, na descrição enumerar os detalhes ate a exaustão. Faz-se necessário, apenas, assinalar os traços mais marcantes.





A cama de ferro; a colcha branca, o travesseiro com fronha de morim. O lavatório esmaltado, a bacia e o jarro. Uma mesa de pau uma cadeira de pau, o tinteiro, papeis, uma caneta. Quadros na parede.
(Érico Veríssimo)



·       Adjetivação: caracterizadores que imprimem qualidade, condição, estado ao nome a que se referem.



A pele da cabocla era desse moreno enxuto e parelho das chinesas. Tinha uns olhos graúdos, lustrosos e negros como os cabelos lisos, e um sorriso suave e limpo a animar-lhe o rosto oval de feições delicadas. 
(Érico Veríssimo)




    Figuras de linguagem: recursos expressivos, geralmente em linguagem conotativa. As mais usadas na descrição são a metáfora, a comparação, a prosopopeia , a onomatopeia e a sinestesia.




O rio era aquele cantador de viola, em cuja lama se refletia o batuque das estrelas nuas, perdidas no vácuo milenarmente frio do espaço... Depois ele ia cantando isso de perau em perau, de cachoeira em cachoeira...

                                  (Bernardo Élis)

·       Sensações: uso dos cinco sentidos, ou seja, das  percepções visuais, auditivas, gustativas, olfativas e táteis.



Os sons se sacodem, berram... Dentro dos sons movem-se cores, vivas, ardentes... Dentro dos sons e das cores, movem-se os cheiros, cheiro de negro... Dentro dos cheiros, o movimento dos tatos violentos, brutais... Tatos, sons, cores, cheiros se fundem em gostos de gengibre...
                                 (Graça Aranha)




6- A Descrição convencional

Leia o texto a seguir e observe a técnica descritiva explorada pelo autor para descrever convencionalmente um cenário.


A praça, o templo, lugar de encontro. Os homens reunidos para a discussão, para o divertimento, para a rezas. Perguntas e pergunta, respostas, diálogos com Deus, passeatas, sermões, discursos, procissões, bandas de música, circo, mafuás, andores carregados, mastro e bandeiras, carrosséis, barracas, badalar de sinos, girândolas e fogos de artifício lançados para o alto, ampliando, na direção das torres, o espaço horizontal da praça.
Joana, descalça, vestida de branco, os cabelos de ouro esvoaçando, traz sobre o peito a imagem emoldurada de São Sebastião. Por cima dos ombro, encobrindo-lhe braço, mãos, e tão comprida que quase chega ao solo, estenderam uma toalha de crochê, comfiguras de centauro. As setas grossas, no tronco do santo parecem atravessá-lo, cravar-se firmes  em Joana. Por trás, numa fila torta, cantando em altas vozes, com velas acesas, muitas mulheres. A noite de dezembro não caiu de todo, alguma luz diurna reta no ar. Posso ver que os olhos de Joana são azuis e grandes; e que seu rosto, embora desfigurado, pois ela ainda está convalescente, difere de todos que encontrei, firme e delicado a um tempo. Adaga de Cristal. (...) Meio cega, ausente das coisas, febril, as pernas mortas.


                                         (Osman Lins)




Nesta descrição, impressões líricas compõem a imagem mística de uma mulher enferma.

A linguagem moderna de Osman Lins alterna a concisão das frases nominais com a sinuosidade das frases verbais.

   As frases nominais, telegráficas, abrem o texto, formando, num único parágrafo, uma sequência de enumerações, em que estão justapostos elementos de natureza diversa: o humano versus o divino, o concreto versus o abstrato.

O segundo parágrafo estende-se entre breves frases nominais e frases de maior complexidade: “Por cima dos ombros, encobrindo-lhe braços, mãos, e tão comprida que quase chega ao solo, estenderam uma toalha de crochê, com figuras de centauro”.


   As impressões do autor, através da adjetivação, registram fartamente os aspectos visuais: “os olhos de Joana são azuis e grandes”. As sensações auditivas aparecem num flagrante: “cantando em altas vozes”.


   O subjetivismo está não apenas na manifestação  do autor, em primeira pessoa, mas também nas captações pessoais, únicas, metafóricas: “as setas grossas, no tronco do santo, parecem atravessá-lo, cravar-se firmes em Joana.”: “firme e delicado a um tempo. Adaga de Cristal”.


   Há, ainda, fragmentos de descrição estática (“Joana descalça, vestida de branco (...) traz sobre o peito a imagem de São Sebastião) e dinâmica ( os cabelos de ouro esvoaçando”; “cantando em altas vozes”).

Assim, o texto compõe o retrato de um cenário e das pessoas que o animam, entre objetos, cores e movimentos liricamente caracterizados.




7- A Descrição original

Veja como, os olhos de um observador sensível, até uma prosaica cena ganha impressões inesperadas.


     O esmagamento das gotas
Eu não sei, olhe, é terrível como chove. Chove o tempo todo, lá fora fechado e cinza, aqui contra a sacada, com gotões coalhados e duros que fazem plaf e se esmagam como bofetadas um atrás do outro. Agora aparece a gotinha no alto da esquadria da janela, fica tremelicando contra o céu e se esmigalha em mil brilhos apagados, vai crescendo e balouça, já vai cair, não cai ainda. Está segura com todas as unhas, não quer cair e se vê que ela se agarra com os dentes enquanto lhe cresce a barriga, já é uma gotona que se prende majestosa e de repente zup, lá vai ela, plaf, desmanchada, nada, uma viscosidade no mármore.

                             (Júlio Cortázar)


Júlio Cortázar transforma em testemunho descritivo a experiência de observar a chuva e particulariza-la na gota pendente da janela. 

A tímida e indefinida impressão inicial (“eu não sei, olhe, é terrível como chove”) dá lugar a uma dinâmica caracterização que atribui movimento e vida a uma gota de chuva, através da concentração de imagens visuais e onomatopeias “ plaf, “zup”, personificando sua resistência a aniquilamento: “fica tremelicando (...), vai crescendo e balouça (...). Está segura com todas as unhas, não quer cair (...) ela se agarra com os dentes enquanto lhe cresce a barriga”; “se prende majestosa”.



8- As Experiências sensoriais na descrição

   A descrição está intimamente ligada à experiência das sensações físicas e das percepções subjetivas.


O leitor capta impressões sensoriais e psicológicas, transmitindo as através de recursos expressivos de linguagem.


Assim, a descrição traduz com palavras a espacialidade de uma imagem, bem como estados de espírito, traços de personalidade e comportamentos que seres e objetos suscitam no observador.



Sensações visuais

  As sensações e/ou percepções visuais são as mais frequentes e estão relacionadas a cor, forma, dimensões, linhas etc.

Quando especificamente relacionadas a cores, são chamadas cromáticas.





Companheiros de classe

Os companheiros de classe eram cerca de vinte; uma variedade de tipos que me divertia. O Gualtério, miúdo, redondo de costas, cabelos revoltos,mobilidade brusca e caretas de símio -  palhaço dos outros, como dizia o professor; (...) o Maurílio, nervoso, insofrido, fortíssimo na tabuada: cinco vezes três, vezes dois, noves fora, vezes sete?...lá estava Maurílio, trêmulo, sacudindo no ar o dedinho esperto... olhos fúlgidos no rosto moreno, marcado por uma pinta na testa; o Negrão, de ventas acesas, lábios inquietos, fisionomia agreste de cabra, canhoto e anguloso, incapaz de ficar sentado três minutos, sempre à mesa do professor e sempre à mesa do professor e sempre enxotado, debulhando um risinho de pouca-vergonha (...).

                                   (Raul Pompeia)






Sensações auditivas

  Muito comuns, as sensações e /ou percepções auditivas estão relacionadas ao som (intensidade, altura, timbre, proveniência, direção, ausência, etc.).



Está sempre a rir, sempre a cantar. Canta o dia inteiro, num tom arrastado, apregoando as revistas que vende.
                             (Graciliano Ramos)





Sensações gustativas

As sensações e/ou percepções gustativas relacionam-se ao paladar (doce, azedo, amargo, salgado, etc.).


E a saliva daqueles infelizes
Inchava em minha boca, de tal arte
Que eu, para não cuspir por toda parte,
Ia engolindo aos poucos a hemoptíase.

        (Augusto dos Anjos)




Sensações olfativas

As sensações e/ou percepções olfativas relacionam-se a odores (perfume, hálito, flores, comida, etc.).

A avenida é o mar dos foliões
Serpentinas cortam o ar carregado de éter, rolam das sacadas...

                           (Marques Rebelo)




Sensações táteis

As sensações e/ou percepções táteis resultam do contato da pele com os objetos (aspereza, calor, umidade, frio, etc.).


A tua mão é dura como casaca de árvore, ríspida e grossa como um cacto.
(Cassiano Ricardo)


Observe, a seguir, como Graça  Aranha mescla, de forma original, todos os sentidos num texto denso de imagens:



Carnaval

Maravilha do ruído, encantamento do barulho. Zé Pereira, bumba, bumba. Falsetes azucrinam, zombeteiam. Viola chora e espinoteia. Melopeia negra, melosa, feiticeira, candomblé. Tudo é espinoteia. Melopeia negra, melosa, feiticeira, candomblé. Tudo é instrumento, flautas, violões, reco-recos, saxofones, pandeiros, liras, gaitas e trombetas. Instrumentos sem nome, inventados subitamente no delírio da improvisação, do ímpeto musical. Tudo é canto. Os sons vaias, klaxons, aços estrepitosos. Dentro dos sons movem-se cores, vivas, ardentes, pulando, dançando, desfilando sob o verde das arvores, em face do azul da baia no mundo dourado. Dentro dos sons movem-se cheiros, cheiro de negro, cheiro de mulato, cheiro de branco, cheiro de todos os matizes, de todas as excitações e de todas as náuseas. Dentro dos cheiros, o movimento dos tatos violentos, brutais, suaves, lúbricos, meigos, alucinantes. Tatos, sons, cores, cheiros se fundem em gostos de gengibre, de mendublim, de castanhas, de bananas, de laranjas, de bocas e de mucosas. Libertação dos sentidos envolventes das massas frenéticas, que maxixam, gritam, tresandam, deslumbrem, saboreiam, de Madureira à Gávea na unidade do prazer desencadeado.
(Graça Aranha)



Numa fusão dos cinco sentidos, o autor percorre um cenário carnavalesco, registrando as sensações que produzem sons, cores, odores, tato e gostos.



Frases nominais e enumerativas caracterizam um espaço vibrante e dinâmico (“maxixam, gritam, tresandam”), além do impressionismo provocado pelas combinações sinestésicas em “viola chora e espinoteia”, “os sons se sacodem”, “cheiro de todos os matizes”, “tatos alucinantes” e “gostos de gengibre”.


A técnica de enumeração e repetição vocabular utiliza pelo autor reproduz a intensidade das sensações e a dinâmica do contexto em verso, o aproveitamento das sensações:




Natureza morta
Na sala ao sol seco do meio-dia sobre a ingenuidade da faiança portuguesa os frutos cheiram violentamente e a toalha é fria e alva na mesa.
Há um gosto áspero de nanases e um brilho fosco de uvaias flácidas e um aroma adstringente de cajus, de pálidas carambolas de âmbar desbotado e um estalo oco bravo de tangerinas.
E sobre esse jogo de cores, gostos e perfumes a sala toma a transparência abafada de uma redoma.
(Guilherme de Almeida)

Aguçando os cinco sentidos, o poeta intensifica a composição do cenário através do olfato (“os frutos cheiram violentamente”), do tato (“um gosto áspero”) e da audição (“um estalo oco”).

Nessas sinestesias estão os cruzamentos inesperados e subjetivos das  sensações que empolgam o observador.


Sensações espaciais
Além das sensações físicas percebidas pelos cinco sentidos, existem as experiências pessoais de espaço (perspectiva, ângulo, dimensão, direção) como, por exemplo, altura, largura, profundidade.

Há ainda as experiências relacionadas a medidas, como peso, volume, força, densidade, pressão. 


Antônio Vítor veio andando em grandes passadas e mesmo antes de atingir o pequeno terreiro onde, em frente à casa, ciscavam galinhas (...).
Parou ao lado da porta da casa de barro batido, mais alta do lado direito que no esquerdo, uma construção apressada e baixa, aumentada depois para o fundo, e olhou o céu, a alegria estampada no rosto caboclo.
(Jorge Amado)


Sensações subjetivas
Faz também da descrição a sensibilidade “interna” do universo do observador (sensações inerentes ao ser humano): alegria, tristeza, amor, ira, náusea, fome, fadiga, vontade, nostalgia, enfim estados emocionais.


A força de meu pai encontraria resistência e gastar-se-ia em palavras. Débil e ignorante, incapaz de conversa ou defesa (...). o coração bate-se forte, desanima, como se fosse parar, a voz emperra, a vista escurece, uma cólera doida agita coisas adormecidas cá dentro. A horrível sensação de que me furam tímpanos com pontas de ferro. (...) sozinho, vi-o de novo cruel e forte, soprando, espumando. E ali permaneci, miúdo e insignificante, tão insignificante e miúdo como as aranhas que trabalham na telho negra.
(Graciliano Ramos)



9. Recursos expressivos na descrição

A caracterização de um ser ou objeto vazada em linguagem subjetiva implica o uso de determinados recursos expressivos que favoreçam o delineamento dos elementos retratados.

Esses recursos são as figuras; dentre as mais comuns, citamos a metáfora, a comparação, a prosopopeia, a onomatopeia e a sinestesia.

Veja os capítulos 4, 5 e 6 referentes às Figuras de Linguagem.


Metáfora


A metáfora consiste no uso de uma palavra com sentido diferente daquele que lhe é próprio.

É uma comparação abreviada, em que não aparecem os nexos comparativos.


Jeronimo era alto, espadaúdo, construção de touro, pescoço de Hércules, punho de quebra um coco com um murro: era a força tranquila, o pulso de chumbo. O outro, franzino, um palmo mais baixo que o português, pernas e braços secos, agilidade de maracajá: era a força nervosa; era o arrebatamento que tudo desbarata no sobressalto do primeiro instante. Um, solido e resistente; o outro, ligeiro e destemido; mas ambos corajosos.
(Aluísio Azevedo)

Comparação

A comparação consiste no confronto de duas ideias por meio de uma conjunção comparativa: como, tal qual, igual, que nem etc.


Sentia-me preso como um cachorro acorrentado, como um urubu atraído pela carniça.
(Graciliano Ramos)

O espelho  das águas, liso e polido como um cristal, refletia a claridade das estrelas...

(José de Alencar)

Apareceram os primeiros ventos gerais, doidamente, que nem um bando solto de demônios travessos e brincalhões.
(Aluísio Alencar)

Prosopopeia
A prosopopeia consiste em atribuir características animais a seres inanimados (animação) e características humanas a seres não humanos (personificação).


E até onde a vista alcança, num semicírculo imenso, há montes de água estrondados nesse cantochão, arvores tremendo, ilhas dependuradas, insanas, se toucando de arco-íris...

(Rubem Braga)

Onomatopeia
A onomatopeia consiste na imitação aproximada de ruídos e sons de qualquer natureza.

 Exemplos:

Relógio = tique –taque
Pássaro = piu-piu
Moeda = tilintim
Galo = cocorocó


Até o ar é próprio; não vibra nele fonfons de auto, nem cornetas de bicicletas, nem campainhas de carroça, nem pregoes de italianos, nem tenténs de sorveteiros, nem plás-plás de mascates sírios. Só os velhos sons coloniais – o sino, o chilreio das andorinhas na torre da igreja, o rechino dos carros de boi, o cincerro de tropas raras, o taralhar das baitacas que em bando rumoroso cruzam e recruzam o céu.

(Monteiro Lobato)

A palavras que resultam da transformação do som reproduzido em verbo ou em substantivo chamam-se vocábulos onomatopeicos, como é o caso de, “o rechino dos carros de boi”, “o chilreio das andorinhas”,  “o cincerro das tropas raras” e “o taralhar das baitacas”, que aparecem no fragmento descritivo de Monteiro Lobato.


É mais comum o uso de vocábulos onomatopeicos do que da onomatopeia. Observe o exemplo abaixo:

A noite enchia-se de vozes estranhas, os sapos coaxavam, gargarejavam, malhavam; eram trissos, zizios sutis, estrilos, pios crebros e, de quando um quando, numa lufada mais forte, o farfalho das ramas escachoava como num rebojo d’águas.

                                          (Coelho Neto)



Sinestesia

A sinestesia consiste no cruzamento de sensações físicas ou psicológicas diferentes.

Olivia era atraente, tinha uns olhos quentes, uma boca vermelha de lábios cheios.

                                   (Clarice Lispector)


Olhos =sensação visual
Quentes= sensação tátil (térmica)




Voltou-se ao canto, o rosto próximo da parede – a camada  de ar ali como se guardava mais fresca, e com o relento de limo, cheiro verde, quase musgoso...

                           (Guimarães Rosa)


Cheiro Verde = sensação olfativa

Quase = sensação visual


A fusão de percepções físicas (olfato, gustação, visão, audição e tato) com impressões psicológicas ou subjetivas também produz sinestesia.


A bondade era morna e leve, cheirava a carne crua guardada há muito tempo.

                                (Clarice Lispector)


A bondade cheirava = percepção subjetiva

A bondade morna = percepção tátil
A bondade leve= percepção sensitiva
A bondade cheirava = percepção olfativa

Os retirantes

O calor continuava. Nada diminuía sua intensidade, de manhã o sol se levantava apoplético, sumindo ao entardecer raivoso e vermelho. A terra permanecia sedenta, com bocarras abertas à espera de água. No céu esplendidamente azul, nem uma nuvem, nenhum sinal de chuva. Um azul límpido, tranquilo, um imenso borrão azul, nada mais.
Na cidade, apareciam bandos de retirantes, famélicos, trêmulos, magros , como bambus ao vento.

                       (Odette de Barros Mott)


Nesse flagrante descritivo, temos uma combinação de recursos expressivos caracterizadores das impressões que mais sensibilizam o observador.
As prosopopeias ( “o sol se levantava apoplético”; “entardecer raivoso”;”terra(...) sedenta, com bocarras abertas”). A sinestesia (“azul(...) e a comparação (“trêmulos, magros, como bambus ao vento”) dão ao texto um caráter essencialmente impressionista.




10. a perpectiva na descrição

A descrição é um trabalho que envolve todo um processo de organização: o observador deverá selecionar o objeto que quer descrever, a visão que ele quer dar do objeto, os elementos que colocará em destaque, o ângulo de visão, a distância etc.

A leitura de um texto descritivo supõe, pois o trabalho de perceber o modo de que o observador se serviu para compô-lo.
É essencial que o leitor explore a organização do texto, percebendo os elementos e estabelecendo relações entre eles na busca de perspectivas de visualização do objeto descrito.

Quando observamos bem o objeto, vemos sua forma global, suas partes e seus pormenores.
Na leitura ou elaboração de um texto descritivo, é importante a visualização do objeto, suas partes e pormenores.

Dessa forma, quando descrevemos, organizamos o texto  selecionando os elementos, suas características mais marcantes e uma dimensão essencial da descrição: a perspectiva do descrevedor diante do objeto.

Observe, no texto seguinte, o ângulo assumido pelo observador:


A estrada estendia-se deserta; à esquerda os campos desdobravam-se a perder de vista, serenos, verdes, clareados pela luz macia do sol morrente, manchados de pontas de gado que iam se arrolhando nos paradouros da noite; à direita, o sol, muito baixo, vermelho dourado, entrando em massa de nuvens de beiradas luminosas.
Nos atoleiros, secos, nem um quero-quero: uma que outra perdiz, sorrateira, piava de manso por entre os pastos maduros; e longe, entre o resto de luz que fugia  de um lado e a noite que vinha, peneirada, do outro, alvejava a brancura de um joão-grande, voando, sereno, quase sem mover as asas, como numa despedida triste, em que a gente também não sacode os braços...
Foi caindo uma aragem fresca; e um silêncio grande em tudo.
                        (J.Simões Lopes Neto)


O olho humano parece rastrear todos os ângulos da paisagem, percorrendo os espaços como uma câmera: desloca-se da esquerda para a direita, focaliza os atoleiros e os pastos maduros e depois lança sua perspectiva para o horizonte longínquo para dividi-lo em dois – de um lado, “ o resto de luz que fugia” e , de outro “ a noite que vinha peneirada”.

Enquanto a precisão do olhar dimensiona os ângulos do espaço ( a paisagem), a sensibilidade da visão recorta a magnitude do momento (o pôr-do-sol), sendo a sinestesia seu ponto de fusão: “pela luz macia do sol morrente”, “iam se arrolando nos paradouros da noite”,  “um silêncio grande em tudo”.

Além das sinestesias, a comparação é  de grande efeito na imagem que encerra o texto: “voando, sereno quase sem mover as asas, como numa despedida triste, em que a gente também não sacode os braços...”.




11. descrição objetiva e subjetiva

Há dois aspectos fundamentais na maneira de ver o mundo – o objetivo e o subjetivo -, que são flagrantes, de modo especial, na descrição.

Aprendemos o mundo com nossos sentidos e transformamos nossa percepção em palavras.
Das diferenças de sensibilidade de cada observador decorre o predomínio da abordagem objetiva e subjetiva.

A descrição objetiva é a reprodução fiel do objeto.

É a visão das características do objeto(tamanho, cor, forma, textura, espessura, consistência, volume, dimensão, etc.), segundo uma percepção comum a todos, de acordo com a realidade.

Na descrição objetiva, há grande preocupação com a exatidão dos detalhes e a precisão vocabular.

O observador descreve o objeto tal qual ele se apresenta na realidade.


Amanhecera um domingo alegre no cortiço, um bom dia de abril.
Muita luz e pouco calor.
As tinas estavam abandonadas; os coradouros despidos.
Tabuleiros de roupa engomada saíam das casinhas, carregados na maior parte pelos filhos das próprias lavadeiras que se mostravam agora quase todas de fatos limpos; os casaquinhos brancos avultavam por cima das saias de chita de cor. Desprezavam-se os grandes chapéus de palha e os aventais de aniagem; agora as portuguesas tinham na cabeça um lenço novo de ramagens vistosas e as brasileiras haviam penteado o cabelo e pregado nos cachos negros um ramalhete de dois vinténs; aquelas trançavam no ombro xales de lã vermelha, e estas de crochê, de um amarelo desbotado. Um grupo de italianos, assentado debaixo de uma árvore, conversava ruidosamente, fumando cachimbo. Mulheres ensaboavam os filhos pequenos debaixo da bica, muito zangadas, a darem-lhes murros, a praguejar, e as crianças berravam, de olhos fechados, esperneando. A casa da Machona estava num rebuliço, porque a família ia sair a passeio; a velha gritava, gritava Nenen, gritava o Agostinho. De muitas outras saíam cantos ou sons de instrumentos; ouviam-se harmônicas e ouviam-se guitarras, cuja discreta melodia era de vez em quando interrompida por um ronco forte de trombone.

                       (Aluísio Azevedo)


A descrição subjetiva é a apreensão da realidade interior, isto é, da imagem.

O objeto é transfigurado pela sensibilidade do emissor-observador. É a reprodução do objeto como ele é visto e sentido; neste caso se privilegia a linguagem conotativa ou figurada.

Esse tipo de descrição apresenta o modo particular e pessoal de o escritor ou redator sentir e interpretar o que descreve, traduzindo as impressões que tem da realidade exterior.

Na descrição subjetiva, não deve haver preocupação quanto à exatidão do objeto descrito.

O que importa é transmitir a impressão que o objeto causa ao observador.


Há um pinheiro estático e extático, há grandes salso-chorões derramados para o chão, e a graça menina de uma cerejeira cor de vinho, que o sol oblíquo acende e faz fulgurar; mas o álamo junto do portão tem um vigor e uma pureza que me fazem bem pela manhã, como se toda a manhã, ao abrir a janela, eu visse uma jovem imensa, muito clara, de olhos verdes, de pé , sorrindo para mim.

                         (Rubens Braga)

RESUMINDO:

DESCRIÇÃO SUBJETIVA

DESCRIÇÃO OBJETIVA
ADJETIVOS ANTEPOSTOS

ADJETIVOS POSPOSTOS
LINGUAGEM CONOTATIVA

LINGUAGEM DENOTATIVA
LINGUAGEM COM FUNÇÃO POÉTICA

LINGUAGEM COM FUNÇÃO REFERENCIAL
IMPRESSIONISMO

EXPRESSIONISMO
PERSPECTIVA LITERÁRIA, ARTÍSTICA

PERSPECTIVA TÉCNICA, CIENTÍFICA, GEOMÉTRICA, ANATÔMICA

“VISÃO” PESSOAL E PARCIAL

“VISÃO” FRIA ISENTA E IMPARCIAL
CAPTAÇÃO IMPRECISA

CAPTAÇÃO EXATA
FRASES ELABORADAS

FRASES CURTAS EM ORDEM DIRETA
IMAGEM VAGA/DILUÍDA

IMAGEM DIMENSIONAL
SUBSTANTIVOS ABSTRATOS

SUBSTANTIVOS CONCRETOS

Acompanhe a análise do texto seguinte e observe como o autor dosou a distribuição de elementos objetivos e subjetivos num trabalho artesanal em que a linguagem desponta ora denotativa, ora conotativamente.

Na pedreira
Aqui  e ali, por toda a parte, encontravam-se trabalhadores, uns ao sol, outros debaixo de pequenas barracas feitas de lona ou de folha de palmeira.
De um lado cunhavam pedra cantando; de outro a quebravam a picareta; de outro afeiçoavam latejos a ponta de picão; mais adiante faziam paralelepípedos a escopro e macete.
E todo aquele retintim de ferramentas, e o marchar da forja, e o coro dos que lá em cima brocavam a rocha para lançar-lhe fogo, e a surda zoada ao longe, que vinha do cortiço, como de uma aldeia alarmada; tudo dava a ideia de uma atividade feroz, de uma luta de vingança e de ódio. Aqueles homens gotejantes de suor, bêbados de calor, desvairados de insolação a quebrarem, a espicaçarem, a tonturarem a pedra, pareciam um punhado de demônios revoltados na sua impotência contra o impassível gigante que as contemplava com desprezo, imperturbável a todos os golpes e a todos os tiros que lhe desfechavam no dorso, deixando sem um gemido que lhe abrissem  as entranhas de granito.

                              (Aluísio de Azevedo)


Observe no texto o predomínio da descrição subjetiva sobrea a descrição objetiva.

Na descrição objetiva, os seres e objetos são apresentados através de linguagem referencial.

A percepção dos elementos é igual para todos os observadores (“barracas feitas de lona”).

Na descrição objetiva predominam:
·       Substantivos concretos (“trabalhadores”, “sol”, “barracas”, “lonas”, “pedra”);

·       Adjetivos pospostos (“aldeia alarmada”);

·       Linguagem denotativa, referencial (de ”aqui e ali” até “ a escopro e macete”);

·       Percepção fria e imparcial ( de ”aqui e ali) até “a escopro e macete”.


Na caracterização subjetiva, os seres e objetos  são apresentados sob um enfoque pessoal, impressionista, individual.

Sua apreciação combina as sensações do observador, através dos cincos sentidos (tato, visão, audição, paladar, gustação), com as impressões psicológicas, emocionais, comportamentais (“atividade feroz”, “a surda zoada ao longe”).


Na descrição subjetiva predominam:
·       Substantivos abstratos (“luta de vingança e ódio”);

·       Adjetivos antepostos (“surda zoada”);

·       Linguagem conotativa (“bêbedos de calor, desvairados de insolação”; “a espicaçarem, a torturarem a pedra”);

·    Percepção pessoal e impressionista (de “e todos aquele retintim” até “ entranhas de granito”).




12. descrição estática e dinâmica

A captação de uma realidade espacial pode ocorrer  de duas maneiras: estática, como numa fotografia; ou dinâmica, como num filme.

Lendo ou elaborando um texto descritivo, precisamos formar ou dar a conhecer uma dessas duas realidades.

Imaginemos um pôr-do-sol captado por uma máquina fotográfica e esse mesmo estímulo registrado por uma filmadora.
A concepção fixa da realidade seria dada pela fotografia; já o movimento do sol só o filme poderia  mostrar.

Observe como o autor, de forma singela, caracteriza um pôr-do-sol numa descrição dinâmica.

O sol, manhoso, vinha botando a cabeça de fora,  no horizonte. Malandro, sem-vergonha!!
Olhava o tempo com o pedacinho do olho, indeciso. A cara, ainda não vermelha, bem dizia que acordava chateado, não queria espantar o mundo.
Começou somente mostrando a careca da cabeça, que a linha do horizonte deixava ver. Depois , a fatia foi aumentando, aumentando um pouco mais até que já se via praticamente a metade da cara dele.
Vinha subindo devagar. Mas um devagar ligeiro, que se percebia claramente, fácil, fácil.
Afinal, lá apareceu todinho no horizonte, aquele disco alaranjado, maior do que um prato, calado, imponente, mandando luz para toda a parte.
Era o dia.
                        (Everaldo Moreira Veras)


Dinamicamente, o amanhecer é descrito como um despertar humano (“o sol, manhoso, vinha botando a cabeça de fora, no horizonte. Malandro, sem-vergonha!”).

Todos os movimentos do alvorecer são caracterizados através da personificação (“começou somente mostrando a careca “; “depois, a fatia foi aumentando”; “vinha subindo devagar ”; ”lá apareceu todinho”; “mandando luz para toda parte”).

Note que a cena de um incêndio, como a do exemplo a seguir, só poderia ganhar a intensidade e o movimento que lhe são próprios através dos recursos da descrição dinâmica:

A um só tempo viram-se fartas mangas de água chicoteando o fogo por todos os lados; enquanto, sem se saber como, homens, mais ágeis que macacos, escalavam os telhados abrasados por escadas que mal se distinguiam; e outros invadiam o coração vermelho do incêndio, a dardejar duchas  em torno de si, rodando, saltando, piruetando, até estrangularem as chamas que se atiravam ferozes para cima deles, como dentro de um inferno(...)

                          (Aluísio Azevedo)


Quando temos o registro de um objeto ou ser em movimento numa sequência temporal, distinguimos uma passagem narrativa. (ver capítulo sobre narração)

Ao se registrar o movimento do ser ou objeto numa disposição espacial, o resultado é uma descrição dinâmica: “A um só tempo viram-se fartas mangas de água chicoteando o fogo por todos os lados”; “(...) e outros invadiam o coração vermelho do incêndio, a dardejar duchas em torno de si, rodando, saltando, piruetando (...)”. Nesse dinamismo de imagens, a cena ganha, aos olhos do leitor, a perspectiva cinematográfica do observador.

Na descrição estática predominam as formas nominais, com frases sem verbo ou com verbos que indicam estado ou condição: estar, ser, haver, parecer e outros.

Observe o exemplo a seguir:

A antecâmara de Alzira

Era a antecâmara da formosa
Alzira rigorosamente posta ao capricho gosto da época.
Guarneciam-na móveis de madeira, esculpida e pintada de branco, com arabescos de ouro, que variava entre o fusco e o luzente, formando torturados desenhos de ornato. Pombas aos pares e anjinhos rechonchudos serviam de adorno às guarnições das portas. Sobre peanhas e cantoneiras havia jarras de Sèvres, com pinturas assinadas, e, que se viam, pastores enfeitados de fitas azuis e cor-de-rosa, na cinta, nos joelhos, no pescoço e nos tornozelos, tocando acena e flauta, ao lado de roliças raparigas de saia curta listrada com sobressai de tufos de seda clara, chapéu de palha, coberto de flores, uma corbelha enfiada no braço, sapatinhos quase invisíveis, e um dos peitos à mostra, branco e levemente rosado, com trêmula gosta de leite sobre uma pétala de rosa.
Nas paredes, forradas de uma tapeçaria azul celeste, destacavam-se suavemente, por cima das portas e contornando os móveis, desenhos do mesmo azul um pouco mais escuro, representando alegorias pastoris.

                            (Aluísio Azevedo)


Alguns textos descritivos mesclam a realidade espacial , apresentando trechos ora estáticos, ora dinâmicos.
Observe como tal procedimento pode até mesmo ocorrer num texto em verso, numa descrição de paisagem:

Lembrança rural

Chão verde e mole. Cheiros de relva. Babas de lodo.
A encosta barrenta aceita o frio, toda nua.
Carros de bois, falas ao vento, braços, foices.
Os passarinhos bebem do céu pingos de chuvas.


Casebres caindo, na erma tarde, Nem existem na história do mundo. Sentam-se à porta as mães descalças.
E tão profundo, o campo, que ninguém chega a ver que é triste.
A roupa da noite esconde tudo, quando passa...


Flores molhadas. Última abelha, nuvens gordas.
Vestidos vermelhos, muito longe, dançam nas cercas.
Cigarra escondida, ensaiando na sobra rumores de bronze.

Debaixo da ponte, a água suspira, presa...
Vontade de ficar neste sossego toda a vida:
Para andar à toa, falando sozinha,
Enquanto as formigas caminham nas árvores...

                               (Cecília Meireles)


Quando a paisagem e o verso  se encontram, surge a descrição poética em que se fundem imagens estáticas e dinâmicas.
Na primeira estrofe despontam as sensações visuais, olfativas e táteis (“Chão verde e mole. Cheiros de relva. Babas de Iodo”) e as líricas (“A encosta barrenta aceita o frio, toda nua”).

No primeiro, terceiro e nono versos, formas nominais dão conta da profusão de elementos campestres que compõem a paisagem flagrada.

Nas demais estrofes, intercalam-se descrições dinâmicas (“Casebres caindo, na erma tarde”; ”Sentam-se à porta as mães descalças”), enumeração estática (“Flores molhadas. Última abelha. Nuvens gordas”) e reflexões subjetivas (“Vontade de ficar neste sossego toda a vida:/ para andar à toa falando sozinha”).

O poema compreende uma captação evocativa do passado.

Assim, o eu”  lírico descreve uma realidade visual e afetiva que lhe resta na memória.


Meus amores bom estudo , tenham um esplendoroso dia com muitas glórias e realizações com carinho de sua eterna Prof Dr Master Reikiana Aldry Suzuki bjs