REDAÇÃO
CAPÍTULO XII
foco
e discurso narrativo
ALDRY
SUZUKI AMO VOCÊS !!
1.
foco narrativo
Contar (ato de
narrar) ou como contar (o estilo pessoal) implicam uma determinada posição do
narrador com relação ao acontecimento. Assim, o narrador pode assumir três
pontos de vista na narrativa.
Narrador-
Participante ou personagem
O narrador
participante é uma das personagens, principal ou secundária, da sua história;
ele está “dentro” da história e “vê” os acontecimentos de dentro para fora.
Nesse caso, a narrativa, elaborada em primeira pessoa (eu – nós), tende a ser
autobiográfica, memorialista ou confessional.
Lembre-se:
não se confunde auto com narrador. O autor tem existência real, é uma
pessoa que existe fisicamente. O narrador é um personagem criado pelo autor
para contar a história.
Coloque-me acima de minha
classe, creio que me elevei bastante. Como lhes disse, fui guia de cego, vendedor de
doce e trabalhador de aluguel. Estou
convencido de que nenhum desses ofícios me daria os recursos intelectuais necessários para engendrar esta
narrativa.
(Graciliano Ramos)
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Narrador observador
O narrador observador
simplesmente relata os fatos, registrando as ações e as falas das personagens;
ele conta, como mero espectador, uma história vivida por terceiros. É a
narrativa em terceira pessoa.
O Campos,
segundo o costume, acabava de
descer do almoço e, a pena atrás da orelha, o lenço por dentro do colarinho, dispunha-se a prosseguir o trabalho
interrompido pouco antes. Entrou no escritório e foi sentar-se à secretária
(Aluísio Azevedo)
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Narrador onisciente
O narrador onisciente
ou onipresente é uma espécie de testemunha invisível de tudo quando o corre, em
todos os lugares e em todos os momentos; ele não só se preocupa em dizer o que
os personagens fazem ou falam, mas também traduz o que pensam e sentem.
Portanto, ele tenta passar para o leitor as emoções, os
pensamentos e os sentimentos dos personagens.
Um segundo depois, muito
suave ainda, o pensamento ficou levemente mais intenso, quase tentador: não
dê, elas são suas. Laura espantou-se um pouco: por que as coisas nunca eram dela?
(Clarice Lispector)
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2. discurso narrativo
Na composição de um
texto narrativo, o narrador pode reproduzir a fala do personagem, empregando as
seguintes possibilidades: discurso indireto, discurso indireto livre.
Discurso direto
No discurso direto, o
narrador reproduz na integra a fala das personagens ou interlocutores.
Geralmente essa dala é introduzida por travessão.
- Bonito papel! Quase
três da madrugada e os senhores completamente bêbados pediu:
- Sem bronca, minha
senhora. Veja logo qual de nós quatro é o seu marido que os outros querem ir
para casa.
(Stanislaw Ponte Preta)
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Observe que, no
exemplo dado, a fala da personagem é introduzida por um travessão, que deve
estar alinhado dentro do parágrafo e fica no meio da linha (entre a linha de
cima e a de baixo).
O discurso direto
geralmente apresenta verbos elocução
(ou declarativos ou dicendi) que indicam que está emitindo
a mensagem.
Os verbos declarativos ou de elocução mais comuns são:
acrescentar dizer
interromper reclamar
afirmar esclarecer intervir repetir
concordar exclamar mandar
replicar
consentir explicar
ordenar responder
contestar gritar pedir retrucar
continuar indagar
perguntar solicitar
declarar insistir prosseguir
determinar interrogar protestar
|
Note que esses verbos
caracterizam até estados interiores, ou situações emocionais das personagens,
como, por exemplo, os verbos protestar, gritar, ordenar e outros.
Esse efeito pode ser
também obtido com o uso de adjetivos ou advérbios aliados aos verbos de
elocução: falou calmamente, gritou histérica, respondeu irritada, explicou
docemente.
O dialogo representa
a fala do personagem, é seu meio de expressão e pode, por isso, apresentar
diferentes níveis de linguagem, do falar caipira à gíria citadina.
Oi, brother! Você que manja de uma leitura legal, tem mais
é que entra numa tremenda curtição! Nada de moleza, malandro! Num dia de sol
beleza como esse, pegue as ua mina e faça um programa diferente. Se a galera
esta noutra, vocês podem ir ao clube ou mesmo ao bosque curti uma leitura
maneira.
|
***
Para não perder informação alguma, capitão punha a orelha
na boca de cada interlocutor:
Perguntava:
- Mais esse dicumento num é farso?
- Nhor não – dizia o correio – Eu tive com o major
Chiquinho: e ele falou pra mim que a letra é dele e que vai pagar até a
entrada da seca, no mais tardar.
(Bernardo Élis)
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Nem sempre o autor
indica de quem são as falas, já que elas se esclarecem dentro do contexto.
O exemplo abaixo
ilustra essa possibilidade:
O paranoico só fala no telefone tapando o bocal com um
lenço. Para disfarçar a voz.
- Podem estar gravando.
- Mas você ligou para saber a hora certa!
- Nunca se sabe.
(Luís Fernando Veríssimo)
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O dialogo acelera a
narrativa, levando o leitor a entra em contato direto com os personagens.
O narrador apenas dá
indicações sobre quem fala. Além de imprimir mais dinamicidade e realismo à
narração, o diálogo presentifica a história.
Os traços
linguísticos do discurso direto revelam a identidade cultural e social da
personagem e, ao mesmo tempo, oferecem elementos para sua caracterização
psicológica.
Segundo Celso Cunha e
Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo), “no plano expressivo, a força da narração
em discurso direto provém
essencialmente de sua capacidade de atualizar o episódio, fazendo emergir da situação
o personagem, tornando-a viva para o ouvinte, á maneiro de uma cena teatral, em
que o narrador desempenha a mera função de indicador das falas.
Estas, na reprodução
direta, ganham naturalidade e vivacidade, enriquecidas por elementos
linguísticos tais como exclamações, interrogações, interjeições, vocativos e
imperativos, que costumam impregnar de emotividade a expressão oral”
Observe o efeito dos
diálogos na pequena narração a seguir:
Namorados
O rapaz chegou-se para
junto da moça e disse:
- Antônia, ainda não me
acostumei com o seu corpo, com sua cara.
A moça olhou de lado e
esperou.
- Você não sabe quando
a gente é criança e de repente vê uma lagarta listada?
A moça se lembrava:
- A gente fica
olhando....
O rapaz prosseguiu com
uma lagarta listrada.
- Antônia, você parece
uma lagarta listada.
O rapaz concluiu:
- Antônia, você é
engraçada! Você parece louca.
(Manuel Bandeira)
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Ao
utilizar o discurso direto – diálogos (com ou sem travessão) entre as personagens
-, pode-se, quanto à pontuação, optar por um dos três estilos abaixo:
Estilo 1
-
Que tal o carro? – perguntou o João.
-
Horroroso! – respondeu Antônio.
Estilo 2
João
perguntou: “Que tal o carro?”
Antônio
respondeu: “Horroroso!”
Estilo 3
-
Estou vendo que você adorou o carro, disse efusivamente João.
-
Você está redondamente enganado, retrucou Antônio.
Observação: o estilo 2 só deve
ser utilizado em caso de oração afirmativa.
Discurso indireto
No discurso indireto,
o narrador exprime indiretamente a fala da personagem.
O narrador funciona
como testemunha auditiva e passa para o leitor o que ouviu da personagem. Nessa
transcrição, o verbo aparece na terceira pessoa, sendo imprescindível a
presença de verbos dicendi (dizer, responder, retrucar, replicar, perguntar,
pedir, exclamar, contestar, concordar, ordenar, gritar, indagar, declarar,
afirmar, mandar etc.), seguidos dos conectivos que (dicendi afirmativo) ou se (dicendi interrogativo), para
introduzirem a fala da personagem na voz do narrador.
Observe nos exemplos
seguintes os discursos indiretos grifados:
“Ele começou, então,
a conta que tivera um sonho estranho.”
“Todos se calaram
para ouvi-lo e ele, muito sério, perguntou qual
era o assunto. Informado, prosseguiu dizendo que estava profundamente interessado em colaborar.”
“João perguntou se ele estava interessado nas aulas.”
Na narração, para
reconstituir a fala da personagem, utiliza-se a estrutura do discurso direto ou
do discurso indireto.
O domínio dessas
estruturas é importante tanto para se empregar corretamente os tipos de
discurso para se empregar corretamente os tipos de discurso na redação escolar,
como para exercitar a transposição desses discursos exigida em alguns exames
vestibulares.
Obs.: Os sinais de pontuação (aspas, travessão, dois-pontos)
e outros recursos como grifo ou itálico, presentes no discurso direto, não
aparecem no discurso indireto, a não ser que se queira insistir na
autenticidade do enunciado.
Discurso indireto livre
Resultante da mistura
dos discursos direto e indireto, existe uma terceira modalidade de técnica
narrativa, o chamado discurso indireto
livre, processo de grande efeito estilístico.
É uma espécie de monologo interior das
personagens, mas expresso pelo narrador.
Este interrompe a
narrativa para registrar e inserir reflexões ou pensamentos das personagens,
com as quais passa a confundir-se.
As orações do
discurso indireto livre são, em regra, independentes, sem verbos dicendi, sem
pontuação que marque a passagem da fala
do narrador para a fala da personagem, mas com transposições do tempo do verbo
Discurso Direto
|
Discurso indireto
|
· Presente
O eletricista,
irritado. Comentou:
-Agora é o interruptor que não funciona!
|
· Pretérito imperfeito
O eletricista,
irritado, comentou que naquele momento
(ou instante) era o interruptor que não funcionava.
|
· Futuro do presente
Pedrinho gritou:
-Só sairei do meu quarto amanhã.
|
· Futuro do pretérito
Predinho gritou que
só sairia do seu quarto (ou do quarto dele)
no dia seguinte.
|
· Pretérito perfeito
Já esperei demais, retrucou com
indignação.
|
· Pretérito mais-que-perfeito
Retrucou com
indignação que já esperava (ou tinha esperado) demais.
|
· Imperativo
Olhou-a e disse
secamente:
-Deixe-me em paz.
|
· Pretérito imperfeito do subjuntivo
Olhou-a e disse
secamente que ela o deixasse em
paz.
|
· Primeira ou segunda pessoa
Maria disse:
-Não quero sair com Roberto hoje.
|
· Terceira pessoa
Maria disse que não
queria sair com Roberto naquele dia.
|
· Demonstrativo este ou esse
Retirou o livro da
estante e acrescentou:
-Este é o melhor
|
· Demonstrativo aquele
Retirou o livro da
estante e acrescentou que aquele
era o melhor.
|
· Vocativo
-Você que café, João? Perguntou a prima.
|
· Objeto indireto na oração principal
A prima perguntou a
João se ele queria café.
|
· Forma interrogativa ou imperativa
Abriu o estojo,
contou os lápis e depois perguntou
ansiosa:
-E o amarelo?
|
· Forma declarativa
Abriu o estojo,
contou os lápis e depois perguntou
ansiosa pelo amarelo.
|
· Advérbios de lugar e de tempo
aqui
daqui
agora
hoje
ontem
amanhã
|
· Advérbios de lugar e de tempo
lá
dali, de lá
naquele momento,
naquela ocasião, então
naquele dia
no dia anterior, na
véspera
no dia seguinte
|
Pronomes demonstrativos e possessivos
essa(s), esta(s)
esse(s), este(s)
isso, isto
meu, minha
teu tua
nosso, nossa
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Pronomes demonstrativos e possessivos
aquela(s)
aquele(s)
aquilo
seu, sua (dele,
dela)
seu, sua (dele,
dela)
seu, sua (deles,
delas)
|
(pretérito
imperfeito), dos pronomes (primeira pessoa) e, como são questionamentos da
personagem, os trechos aparecem geralmente com pontos de interrogação.
O foco narrativo deve
ser de terceira pessoa.
Este discurso é muito
empregado na narrativa moderna, pela fluência e ritmo que confere ao texto.
Na passagem do
discurso direto para o indireto, cabem as seguintes observações quando à
construção da frase:
Deu um passo para a catingueira. Se ele gritasse
“Desafasta”, que faria a polícia? Não se afastaria, ficaria colado ao pé de
pau. Uma lazeira, a gente podia xingar
a mãe dele. Mas então... Fabiano estirava o beiço rosnava, aquela coisa
arriada e achacada metia as pessoas na cadeira. Dava-lhes surra. Não
entendia. Se fosse uma criatura de
saúde e muque, estava certo. Enfim, apanhar do governo não é desfeita, e
Fabiano até sentia orgulho ao recorda-se da aventura. Mais aquilo... soltou uns grunhidos. Por que motivo o governo aproveitava gente assim? Se ele tinha receio
de empregar tios direitos. Aquela cambada só servia para morder as pessoas
inofensivas. Ele, Fabiano, seria tão ruim se andasse fardado? Iria pisar os pés dos trabalhadores e dar
pancadas neles? Não iria.
(Graciliano Ramos)
|
Discurso do narrador
Há também o discurso
em que o narrador registra a ação das personagens, além de comentar, analisar,
ingerir, interpretar e relacionar fatos da história. É o discurso do narrador.
De repente, Honório olhou para o chão e viu uma carteira.
Abaixar-se, apanhá-la e guardá-la foi obra de alguns instantes. Ninguém o
viu, salvo um homem que estava à porta de uma loja...
(Machado
de Assis)
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3.Fala interior da personagem
Monologo interior
Forma dramática ou literária do discurso da personagem
consigo mesma.
No monologo interior, o narrador (em primeira, ou
terceira pessoa) registra as emoções da personagem, suas divagações intimas,
seus desabafos.
É como se o “eu interior” conversasse com um “outro eu”
da personagem e desabafasse suas confidências.
Dessa forma, a personagem parece esquecer-se do leitor ou
do ouvinte, escrevendo ou falando, de maneira desconexa, tudo que lhe vem à mente, sem obedecer,
necessariamente, à concatenação logica dos períodos e aos aspectos sintáticos
tradicionais.
Essa associação livre de ideias traduz o “fluxo de
consciência” da personagem, que o narrador transcreve utilizado, de
preferência, o discurso direto ou o indireto livre.
Solilóquio
Alguns autores
apresentam o solilóquio com as mesmas características do monologo; outros, porém,
diferenciam-no pela linguagem e foco narrativo.
Enquanto n o monologo
a linguagem pode apresentar-se desconexa, típica do fluxo de consciência, no
soliloquio a linguagem aparece de forma logica e concatenada.
O soliloquio é
recurso utilizado no romance e no teatro; pressupõe um figurante sozinho em
face do leitor alta, portanto sempre em primeira pessoa.
O aventureiro Ulisses
Ainda tinha duzentos réis. E como eram sua única fortuna
meteu a mão no bolso e segurou a moeda. Ficou com ela na mão fechada. Neste
instante estava na avenida Celso Garcia. E sentia no peito todo o frio da
manhã.
Duzentão. Que dizer: dois sorvetes de casquinha. Pouco.
Ah! Muito sofre quem padece? É uma canção de Sorocaba. Não.
Não é. Então que é? Mui-to so-fre quem pa-de-ce. Alguém dizia isto sempre.
Etelvina? Seu Cosme? Com certeza Etelvina, que vivia amando toda a gente. Até
ele. Sujeitinha impossível. Só vendo o jeito de olha dela.
Bobagens. O melhor é ir andando.
Foi.
Pé no chão é bom só na roça. Na cidade é uma porcaria. Toda
a gente estranha. É verdade. Agora é que ele reparava direito: ninguém andava
descalço. Sentiu uma mal-estar horrível. As mãos a gente ainda esconde no
bolsos mas os pés? Cousa horrorosa. Desafogou a cintura. Puxou as calças para
baixo. Encolheu os artelhos. Deu dez passos assim. Pipocas. Não dava jeito
mesmo. Pipocas. A gente da cidade que vá bugiar no inferno. Ajustou a
cintura. Lentou as calças acima dos tornozelos. Acintosamente. E muito
vermelhou as calças acima dos tornozelos. Acintosamente. E muito vermelho foi
jogando os pés na calçada. Andado duro como se estivesse calçado.
(Antônio
de Alcântara Machado)
|
A narrativa de
Alcântara Machado é introduzida por uma exposição sobre a condição social e
física da personagem (“Ainda tinha duzentos réis”, “E sentia no peito todo o frio da manhã”) e o local em que
ela se encontra (“Neste instante estava na
Avenida Celso Garcia”).
O que evidencia a
passagem imediata da exposição para o solilóquio é a linguagem popular e
segmentada de Ulisses (“Duzentão. Quer dizer:
dois sorvetes de casquinha. Pouco”).
A totalidade do
terceiro parágrafo e a única linha do parágrafo seguinte reproduzem a fala
interior da personagem.
O narrador retoma seu
foco a partir de um lacônico “Foi”.
O último parágrafo é
construído com discursos indiretos livres – a fala do narrador e a da
personagem aparecem fundidas sem o uso de verbos dicendi (disse, falou,
respondeu etc.):
“Desafogo e cintura. Puxou as calças para baixo. Escolheu os
artelhos. Deu dez passos assim. Pipocas. Não dava jeito mesmo. Pipocas. A gente
da cidade que vá bugiar no inferno”.
A expressividade do
texto está na variação de atitudes da personagem, inicialmente sofrida (“A gente da cidade que vá bugiar no inferno).
Solilóquio de um menino de rua
Por que a gente vai ser menino de rua? Bem, começa com
pobreza. Barraco de mora ou coisa pior; muita criança querendo comer, a mãe trabalha,
pede esmola, ou cai na vida, como se diz. E então a gente fica sozinho, nem
sempre a mãe traz comida –as crianças brigam uns com os outros. Mas o pior de
tudo é o padrasto. Pai, pai mesmo, e raro de haver. Pouco menino de rua tem
pai dele dentro de casa. Pai e mãe juntos, raríssimo. E pai sozinho, sem mãe,
também, quase nunca. E padrasto tem ciúme da gente, tem raiva. Tem pena do
prato de feijão que a gente come, chama agente de vagabundo. Vem logo pra
bater. E ou a mãe não deixa, defende, e ele bate nela, e a gente se embola.
Ou a deixa, aí a gente fica com ódio e então foge.
Com menina ainda é
pior. Muito raro padrasto que respeite. A menina vai se pondo moça, formando
o corpo, já viu. Padrasto sabe que não é nada dela, nem padrasto mesmo de
verdade – só amigado com a mãe. E ai, por que não? Toda menina que eu conheço
tem medo do homem da mãe dela. E ela também sai de casa. Melhor qualquer
homem que aquele velho cachaceiro, que nem pra mãe servia – a mãe, que é
velha também.
Começa a gente fugindo por uns dias. Já sabe como é, os
outros meninos contam. Na rua é tudo solto, se arranja comida em qualquer
canto, pede esmola nos sinais de trafego, faz uma cara triste pra tudo que é
mulher motorista – os meninos dizem que é para pedir a todas que, de cem, uma
dá. E como passa mais de mil a toda hora – sempre se apanha um trocado.
Bem, não deixa de ser perigoso. Na hora de dormi então, pra
quem não está vem enturmado, é fogo. Tem sempre um grandão que começa com
agrados, os outros avisam: cuidado – esse cara quer te pegar. No começo a
gente nem entende direito – e quando entende, ou corre, ou deixa. Pode ter
quem goste; eu, só me dá vontade é de pegar uma faca e corta fundo o
cachorrão. Um dia ainda faço isso e eles ai vão respeitar.
Dormi na calçada a gente acostuma. Faz cama de papel,
arranja um papelão... agora aquelas donas da caridade andaram oferecendo
cobertor. Mas é muito pouco cobertor para tanto menino – só algum apanha o
seu.
O bom seria a liberdade, ninguém mandando, não tem escola,
não tem mãe nem o homem dela enchendo o saco. Mas la um dia bate saudade. A
gente arranja uns trocados, pega trem, volta em casa. Sem tem casa.
Mas não dá pra aguenta. Todo mundo zingando a gente de
vagabundo, trombadinha, pivete. E os outros meninos dali, então parece tudo
abestado. Daí, nem todos. Sempre tem um ou outro querendo fugir também. E na
primeira vez que o padrasto levanta a mão pra nós, ou na mãe ou nas meninas,
a gente se pode reage – mais nem sempre pode. E começa tudo outra vez.
(Rachel de Queiroz)
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Resumindo:
Foco narrativo ou ponto de vista do narrador
· Narrador personagem
ou participante: foco narrativo em primeira pessoa;
· Narrador observador:
foco narrativo em terceira pessoa;
· Narrador onisciente:
foco narrativo em terceira pessoa.
Tipos de discurso
· Direto (diálogo): o
narrador reproduz textualmente a fala da personagem;
· Indireto: o narrador
conta o que a personagem fala;
· Indireto livre: a
fala da personagem funde-se com a fala do narrador;
· Do narrador: o
narrador conta a história e tece comentários sobre personagens e
acontecimentos.
Monólogo
· Em primeira ou
terceira pessoa;
· Registro do
pensamento da personagem;
· Discurso organizado
de forma logica e concatenada.
Bom
estudo meus amores de sua eterna Prof Dr Master Reikiana Aldry Suzuki bjs.
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