Redação
capitulo XIII
variantes
da narração
ALDRY
SUZUKI AMO VOCÊS !!
O romance, o conto, a
novela, o apólogo, a fabula e a crônica são modalidades narrativas consagradas
pela literatura.
Sobre a crônica,
lembramos que, de sua gênese no jornalismo, com Machado de Assis e
contemporaneamente com Rubem Braga, Fernando Sabino e outros, ela passou à
compilação literária.
Temos ainda como
narrativas as histórias em quadrinho (com ou sem legendas), os poemas épicos,
os poemas ou letras de música que narram um acontecimento, as piadas
(ilustradas, legendadas ou sem palavras) e ainda as notícias de jornal que
contam um fato.
1.
A piada
Durante um forte
vendaval, o policial vê uma velha senhora parada numa esquina, segurando seu
chapéu com todas as forças, enquanto o vento levantava seu vestido e revelava
toda a sua intimidade.
Por isso, o policial foi até lá e fez o alerta:
- A senhora fica segurando o chapéu em vez de segurar o
vestido... agora todos ficam olhando tudo o que a senhora tem aí.
- Escute, rapaz. O que eles estão vendo tem 80 anos. Mas
esse chapéu aqui é novinho em folha.
|
Aula de Português. A professora pergunta para sequinho:
- “A mulher comprou”. Que tempo é esse?
- Passado, professora.
- Está certo. Agora, mais uma pergunta para você tira uma
nota 10. Se eu digo: “Seu pai tem dinheiro”, que tempo é esse?
- A primeira semana do mês.
|
A piada também é uma
forma de narração. Apoia-se numa sequência de ações cujo desfecho é sempre
cômico.
É frequente
encontramos, nesse tipo de narrativa, personagens estereotipadas (o português
simplório, o papagaio malicioso, a criança ingênua, a sogra implicante) e
trocadilhos.
2.
Notícia
de jornal
Foi pescar e foi pescado
No último
domingo, sob a acusação de ter tentado furtar dinheiro da igreja Nossa
Senhora do Brasil, no jardim América, foi detido e encaminhado ao 15.
Distrito o meliante Gorgônio Pancrácio Porciúncula, de 69 anos, que alegou
estar fazendo uma oferenda àquela instituição pia. Segundo os fiéis, o
sexagenário, aparentemente embriagado, tentava pescar o dizimo arrecadado
durante a missa, usando um arame para retirá-lo do cofre.
|
Observe que o texto
anterior se inicia com uma breve exposição para acusado (a detenção).
Os aspectos descritivos
compreendem as características pessoais do envolvido. A tática para consumar a
ação (a pesca do dinheiro) conclui a notícia.
Esses mesmos dados
poderiam ser apresentados ao leitor em qualquer sequência.
3.
A história em
quadrinhos
A imagem é o recurso
expressivo fundamental da história em quadrinhos.
Utilizando as
palavras ou prescindindo delas, encerra um gênero narrativo dos mais produzir populares.
Seja em revista, seja em tiras de jornal, produzir humor é sua finalidade.
Na sequência acima, a
comicidade surge em apenas três quadros.
4.
O cartum
Num único quadro, o
cartum resume um processo narrativo em que a sequência temporal, antes (as pedras sendo oferecidas pelo mordomo ao menino) e depois (a quebra dos lustres), é captada em conjunto.
A comicidade resulta
do clima solene e dos requintes da molecagem do menino rico: a formalidade dos
mordomos, as pedras na bandeja, o poste particular, a roupa sóbria do garoto e
a mansão ao fundo caracterizam uma visão excêntrica da infância milionária.
5.
O poema
Poema tirado de uma notícia de jornal
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no
morro
[da Babilônia, num barracão sem número.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro.
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu
afogado.
(Manuel Bandeira)
|
A
versatilidade da narração, quando se expande para o verso, adquire foros de
poesia. Nesse texto, a forma poética (a disposição versificada) ajusta-se a uma
concisão narrativa que reduz ao mínimo a informação e os elementos que a
caracterizam:
Personagem – “João Gostoso”;
Tempo – “uma noite ele chegou. (...) depois se
atirou”;
Ação – “chegou”, “bebeu”, “cantou”, “dançou”, “se atirou “ e “morreu”;
Espaço – “morro na Babilônia”, “barracão
sem número”,
“bar Vinte de Novembro”, “lagoa Rodrigo de Freitas”.
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Assim,
a referencialidade comum às notícias policiais é absorvida pelo poético, numa
recriação o universo jornalístico pelo literário.
Como
é comum às narrativas, o texto apresenta clímax (os três verbos da ação) e
desfecho (o fim trágico que chega inesperadamente).
Nota-se
que o apelido da personagem (João
Gostoso) e a generalidade de seu endereço evidenciam o
estereótipo do malandro pobre.
Acrobatismo
Parou o
vento. Todas as árvores
quiseram
ver o salto original.
Então
quedaram-se
todas
com os
seus anéis azuis de orvalho
e os seu
colares de ouro teatral,
prestando
muita atenção.
Foi como
se um silêncio fofo de veludo
começasse
a passear seus pés de Lã por tudo.
Nisto uma
folha sai, muito viva, de uma rama,
e vai
sair sem o menor rumor
sobre o
tapete da grama.
É um
louva-a-deus lépido e longo
que se
jogou de um trapézio
com um
pequeno palhaço verde
e lá se
foi, a rodopiar
ás
combalhotas
no ar.
(Cassiano Ricardo )
|
Quando
a temporalidade, a caracterização e o lirismo se reúnem, mediados pela criação
de um poeta, o resultado é um poema narrativo-descritivo.
É o
que faz Cassiano Ricardo, valendo-se de comparações, sinestesias e prosopopeias
( “como se um silêncio fofo de
veludo / começasse a passear seus pés de lã por tudo”).
Ao
narrar as sequências do salto de um louva-a-deus e as características singelas
desse flagrante, o poema aproxima o simples e o belo.
6.
O
apólogo
Opostos
No meio
de uma poesia, o ponto saltou na vírgula com intenção de namorar.
Foi
coisa bem passageira, dessas que
ninguém liga, mas entre o ponto e a vírgula deu pano pra manga da briga.
A
vírgula, toda prosa, pro papo continuar. O ponto queria descanso, ficar de
papo pro ar.
A vírgula
esticava uma frase, lero-lero, coisa e tal, lá vinha o ponto correndo e
botava um ponto final.
Foi indo,
a vírgula ficou nervosa. Falou do direito e do avesso falou do fim pro começo
, berrou e perdeu o senso.
O ponto?
Nem ligava pra ausência de consenso. Ponto é silêncio no texto. Imagine se
muda de jeito!
A
vírgula, na mesma hora, resolveu ir embora numa frase de efeito.
O ponto
ficou zangado, achou de botar defeito: - Podes ir, tagarela –falou com voz
amarela. – Como és chata, criatura! Nem escritor te atura!
A vírgula,
atrevida, optou pela pirraça: toda hora requebra de graça em qualquer frase
sem sentido. O ponto, quando ela passa, esquece de lado o passado, fica todo
derretido.
O poeta
investiga as razões da eterna briga: os opostos se atraem, querem sempre se
juntar. Não há força sem fraqueza, nem feiura sem beleza e a sorte depende do
azar.
(Ciça Fitipaldi)
|
Trata-se
de um apólogo, uma narrativa em que seres inanimados agem como personagens
humanas. No caso, o ponto e a vírgula, entidades linguísticas, assumem
comportamento humano.
O
apólogo ilustra uma lição de sabedoria cuja moral é sempre expressa no
desfecho: “os opostos se atraem,
querem sempre se juntar. Não há força sem fraqueza, nem feiura sem beleza e a
sorte depende do azar”.
Devido
ao lirismo infantil, bem como às rimas internas (“vírgula esticava uma frase,
lero-lero, coisa e tal, lá vinha o ponto correndo e botava um ponto final”), o
texto configura-se como prosa poética.
7.
A fábula
A barata e o rato
Era uma
dessas baratinhas brancas e nojentas, acostumadas à só imundície e ao
monturo, comendo calmamente sua refeição composta de um pedaço de batata podre
e um pedaço de tomate podre(1).
Chegou
junto dela um Rato transmissor de peste bubônica e lhe disse: “Comadre, ontem
tive uma aventura extraordinária . Estive num lugar realmente impressionante,
como você, comadre, certo jamais encontrará em toda a sua vida”, Barata
comendo. “O lugar era uma coisa que
realmente me deixou de boca aberta” – prosseguiu o Rato – “tão espantoso e
tão diferente é de tudo que tenho visto em minha vida roedora” (2). Barata
comendo. “imagina você” – prosseguiu o Rato – “ que descobri o lugar por
acaso. Vou indo numa das cavidades subterrâneas por onde passeio sempre,
entrando aqui e ali numa casa e outra, quando, de repente, percebo uma
galeria que não conheço. Meto-me nela, um pouco amedrontado por não saber
onde vai dar e de repente saio numa cozinha inacreditável. O chão, limpo, que
nem espelho! Os espelhos, de um brilho de cegar! As panelas , polidas como
você não pode imaginar! O fogão, que nem um brinco! As paredes, sem uma
mancha! O Teto , claro e branco como se tivesse sido acabado de pintar! Os
armários, tão arrumados e cuidados que estavam até perfumados! Poeira em
nenhuma parte, umidade inexistente, no chão nem um palito de fósforo...”
E foi aí
que a Barata não se conteve. Levou a mão à boca num espanto e protestou: “Que
mania! Que horror! Sempre vem contar essas histórias exatamente no momento em
que a gente está comendo!”.
MORAL: PARA O
VÍRUS A PENICILINA É UMA DOENÇA.
SUBMORAL: A ECOLOGIA
É MUITO RELATIVA.
(1)
Causando inveja a muita
gente.
(2)
O rato rói. É sua sina.
(Millôr Fernandes)
|
As fábulas são narrações de caráter alegórico, destinadas
a ilustrar um preceito.
A
simplicidade da linguagem insipiente (“que
nem espelho”) articula o impressionável universo da
fantasia alegorizado pela barata e o rato.
As
noções de higiene que se intensificam ao longo da narrativa ganham
expressividade descritiva (“numa
cozinha inacreditável (...), no chão nem um palito de fósforo”),
para então atingir o desfecho numa completa inversão de valores humanos que a
moral endossa.
No
texto de Millôr Fernandes, a definição de fábula é renovada, já que o texto,
reunindo nonsense e criatividade, apresenta, além da tradicional “moral da história”, uma submoral, ambas
plenas de humor e originalidade.
8. A
música
O velho Francisco
Já gozei de boa vida
Tinha até meu bangalô
Cobertor , comida
Roupa lavada
Vida veio e me levou
Fui eu mesmo alforriado
Pela mão do imperador
Tive terra, arado
Cavalo e brida
Vida veio e me levou
Hoje é dia de visita
Vem aí meu grande amor
Ela vem toda de brinco
Vem todo domingo
Tem cheiro de flor
Quem me vê, vê nem bagaço
Do que viu quem em enfretou
Campeão do mundo
Em quebra de braço
Vida veio e me levou
Li jornal, bula e prefácio
Que aprendi sem professor
Frequentei palácio
Sem fazer feio
Vida veio e me levou
Hoje é dia de visita
Vem aí meu grande amor
Ela vem toda de brinco
Vem todo domingo
Tem cheiro de flor
Eu gerei dezoito filhas
Me tornei navegador
Vice-rei das ilhas
Da Caraíba
Vida veio e me levou
Fechei negócio na China
Desbravei o interior
Possuí mina
De prata, jazida
Vida veio e me levou
Hoje é dia de visita
Vem aí meu grande amor
Hoje não deram almoço, né
Acho que o moço até
Nem me lavou
Acho que fui deputado
Acho que tudo acabou
Quase que
Já não me lembro de nada
Vida veio e me levou
(Chico Buarque)
|
Numa
ambivalência que oscila entre o humano e o geográfico, o título “ O velho Francisco”
pode ser interpretado em sua dualidade: o idoso e o rio.
Nesse
poema narrativo, manifesta-se em primeira pessoa um idoso supostamente
internado num asilo (“Hoje é
dia de visita” / “Hoje não me deram almoço, né”) e
a veneranda existência do Rio São
Francisco ( “Desbravei
o interior/ Possuí mina / De prata, jazida”).
Tanto
o idoso como o rio têm na memória um passado. Nas lembranças fragmentadas do Velho Francisco, a
decrepitude supera a lucidez (“Vice-rei de ilhas / Da Caraíba”; “Acho que
fui deputado”; “já não me lembro de nada”).
Há ainda
um processo antitético: por parte do idoso, temos a longevidade esgotada (“Vida veio e me levou”);
por parte do rio, a resistência e a sobrevivência ao longo do tempo. Assim
tanto a vida quanto ao rio fluem irreversivelmente do passado para o presente
(observe os verbos).
Cada
estrofe do poema é um fragmento da memória do velho/rio, é o curso da memória
que acompanha o curso do rio através do fluxo de consciência.
A
personificação do rio (configurado como um homem idoso) confunde-se com as
características do São Francisco, na qualidade de navegável (“Me tornei navegador”) e
na extensão, já que o rio atravessa três Estados ( “Desbravei
o interior”).
A
linguagem do texto é reveladora da simplicidade do Velho Francisco (“Ela vem toda de brinco”; “Quem me vê, vê nem bagaço”).
Em seu aspecto formal ( uma sequência de dez estrofes), o poema lembra a
sinuosidade do rio.
9. A
criatividade na narração
Não
há uma ordem convencional que regule a articulação entre personagens, ação,
tempo e espaço.
O
percursor narrativo pode desenvolver-se a partir de um diálogo, uma descrição,
um acontecimento crucial ou marcante, uma digressão temporal, um perfil de
personagem etc.
As
técnicas narrativas variam de autor para autor.
São
as variantes de estilo que conferem à obra um traço especial na produção da
trama ou enredo, em que se pode instaurar a realidade, imitar o real com
arranjos ficcionais ou trazer ao leitor o universo imaginário que ao escritor é
dado ultrapassar.
Assim,
na narrativa, todos os procedimentos ganham dimensão estética e todos os
acontecimentos, por mais fantásticos ou improváveis, ganham a receptividade do
leitor, quando o contexto legitima seu conteúdo.
Aprecie,
na sequência, a variedade de procedimentos que o painel de textos oferece como
amostra de narrações criativas.
10.
As narrativas oswaldianas
Órfão
O céu
jogava tinas de água sobre o noturno que me devolvia a São Paulo.
O comboio
brecou lento para as ruas molhadas, furou a gare suntuosa e me jogou nos
óculos menineiros de um grupo negro.
Sentaram-me
num automóvel de pêsames.
Longo
soluço empurrou o corredor conhecido contra o peito magro de tia Gabriela no
ritmo de luto que vestia a casa.
(Oswald de Andrade)
|
Essa
narrativa é marcada por uma linguagem que insinua a morte, sem alusões diretas.
O luto transfere-se da personagem para os objetos que a cercam. A cor preta é
várias vezes sugerida (“noturno”,
“grupo negro”, “automóvel de pêsames”, “ritmo de luto”),
O que reforça a impressão pesada que envolve a morte e a orfandade.
Sob
essa preferência sintagmática transparece a profundidade semântica: no primeiro
parágrafo, o impacto que o cenário exerce sobre o órfão impressionável; no
segundo parágrafo, a impressão de morosidade que acompanha a chegada do comboio; no terceiro parágrafo, a
inércia da personagem que se deixa sentar por ação alheia; no último parágrafo,
o lento e doloroso ritmo do luto que se instaura no ambiente doméstico.
O
título encaminha o significado da leitura, sem que haja no texto qualquer
menção à orfandade.
Natal
Minha
sogra ficou avó.
(Oswald de Andrade)
|
A
história é contada numa única frase, de maneira telegráfica, sem qualquer
índice temporal ou espacial.
O
signo sogra traz em seu significado
projeções culturais que estigmatizaram esse grau de parentesco, investindo-o de
conotações negativas – é uma mulher intrometida, possessiva.
O
signo avó, entretanto, preenche um
significado mais terno (geralmente
é ela quem adula e mima os netos).
Contraponham-se
os conteúdos desses signos (avó e
sogra), adicionem-se os desdobramentos subjacentes à história (sua mulher engravidou, deu à luz e o
narrador tornou-se pai) e ter-se-á o poder de síntese do
autor, cujo estilo fez dele figura de vanguarda do movimento modernista.
Há
ainda a relação do título “Natal ” com o texto
depreende-se que o nascimento da criança foi tão significativo quanto a data
magna do cristianismo.
Primeiro
contato de Serafim e a malícia
A – e - i – o –u
Ba – Be – Bi – Bo – Bu
Ca –Ce – Ci –Co – Cu
(Oswald de Andrade)
|
Repare
como o autor, combinando vogais e consoantes, na sequência em que se dá o
primeiro contato com a alfabetização, faz supor ao leitor que a personagem
Serafim, soletrando as primeiras letras, deteve-se na palavra que se vulgarizou
como impropério.
É o
título que indica a leitura maliciosa, acentuando o caráter maroto que a personagem dá aos
exercícios de aprendizagem.
11.
O fantástico
O homem que entrou no cano
Abriu a
torneira e entrou pelo cano.
A Princípio incomodava-o a estreiteza do tubo. Depois se acostumou. E, com a água, foi seguindo. Andou quilômetros. Aqui e ali ouvia barulhos familiares. Vez ou outra, um desvio, era uma secção que terminava em torneira.
Vários
dias foi rodando, até que tudo se tornou monótono. O cano por dentro não era
interessante.
No
primeiro desvio, entrou. Vozes de mulher . Uma criança brincava. Ficou na
torneira, à espera que abrissem. Então percebeu que as engrenagens giravam e
caiu numa pia. À sua volta era um branco intenso, uma água límpida. E a cara
da menina aparecia redonda e grande, e olhá-lo interessada. Ela gritou:
“Mamãe
tem um homem dentro da pia”.
Não
obteve resposta. Esperou, tudo quieto. A menina se cansou, abriu o tampão e
ele desceu pelo esgoto.
(Ignácio de Loyola
Brandão)
|
O
inovador nessa narrativa é seu teor fantástico, resultante de um acontecimento
irreal num cenário real. A linguagem é segmentada em períodos curtos, marcando
o percurso monótono que leva a personagem a uma pia e daí – por uma omissão de
resposta – ao esgoto.
O
desfecho pressupõe, aos olhos do leitor, consequência nefastas que justificam a
ambivalência do título: entrar pelo cano no enredo fantástico da narrativa ou,
segundo o clichê popular, dar-se mal numa empreitada.
12.
Um tipo
As Marias
Maria,
filha de Maria, a filha de Maria , tem trinta e um desgostos. Lava a roupa,
lava a louça, varre que varre, e a patroa
- Jesus maria José! – a patroa ralhando.
Aos sete
anos, foi esquecida pela mãe na primeira esquina. Mulher cheia de filhos, não
podia com mais um: deu a pobre da Maria.
Sempre em
casa estranha, dormindo em cama-de-vento, comendo em pé ao lado do fogão.
Trabalhadeira, era de confiança e não tinha boca para pedir. Pálida, vivia
debaixo de chá de ervas. Sonhando , rilhava os dentes, com as bichas
alvoroçadas. Maria, ai dela, nunca soube qual o gosto de uma pêra-d’água! O
guarda-comida trancado a chave, ela roía com fome um naco de rapadura,
escondida sob o travesseiro.
Lenço
amarrado na bochecha, usava cera milagrosa para dor de dente – até que perdia
o dente. Vagarosa por culpa de unha encravada. De lidar na potassa,
partiam-se os dedos e sofria de panarício. Nunca se despedia, era despachada
pela patroa, aborrecida de suas aflições e sua cara de pamonha.
Ao rodar
de uma para outra casa, engordava com os anos, gemia de dor nas cadeiras e
enleava-se no serviço. Sua alegria era lavar o cueiro do bebe Ah, mas beijar
a criancinha ...
- Está
proibida, ouviu, Maria ?
Criada
não conhece o seu lugar, podia ter alguma doença.
Menina
séria, não ia ao baile com as outras. No carão anêmico esfregava papel de
seda escarlate molhado na língua e, mal surgiu à janela, a espiar um
soldadinho verde, a patroa ralhava.
- Maria,
já escolheu o arroz?
- Maria,
já passou a roupa?
- Já
encerou a casa, ó Maria?
Areada a
chapa do fogão, guardava a louça, varrida a cozinha, chegava-se medrosa à
porta. O soldado rondava, parava, batia continência. Tinha pressa como
soldado era de guerra: queria pegar na mão e cobrir de beijos.
- Deus me
livre, podia ter alguma doença!
Maria faz
o sinal-da-cruz: a boca só o marido é que iria beijar.
Onde
estão os praças de cavalaria, a tinir das esporas na calçada? Trinta e um
anos de Maria! Até proibida de passear com a Marta.
- Pois vá
chorar no quarto – ordena-lhe a patroa. – Não suporto cena de gentinha.
Essa
Maria, um objeto de casa, o capacho da porta, a vassoura no prego.
Maria não
vai ao circo, o palhaço é tão gozado.
Maria não
vai ao cineminha na sexta-feira assistir à Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor
Jesus Cristo.
Maria, a
filha de Maria, distraída no domingo com a Marta, viu seu coração rolar do
peito e, prato que lhe escapou dos dedos gordurosos ( a patroa vai ralhar?),
partiu-se em sete pedaços de sangue pelo chão.
Era um
cabo? Maria nunca soube de que arma. Falava lindo e tão difícil, puxando no
xis – vixto, mocinha? – que ela , a saltitar ora numa perna ora noutra,
esganada roía as unhas.
- Tem
gente, cabo. Você me respeite , ô cabo!
Ele a levou ao circo e Maria entrou soberba como uma patroa entre a gentinha que fazia cena: no pescoço a velha pele de coelho mordendo a cauda. A charanga, o peludo de cara pintada, o cabo das grandes botas de general. Um palhaço xinga o outro de “Gigolô!”, o circo vem abaixo de tanta gargalhada. Maria sorri, o cabo lhe tira sangue do peito.
- Ocê me
deixa louco, Maria.
Sob o
espanto do baleiro, anunciando “Oia a bala oi...”, ela beijou a mão do cabo.
Em nove
meses Maria, filha de maria, vai ser mãe de Maria.
(Dalton Trevisan)
|
A personagem
Maria incorpora, na popularidade de seu nome e na ausência de um sobrenome, um
tipo massificado, comum, sem identidade.
A
narrativa constrói-se de ações fragmentadas e gestos estereotipados das
domésticas errantes, doentes, esfaimadas, sonhadoras. Maria resume um tipo que
reitera modelos previsíveis de comportamento, é o retrato das mazelas de uma
doméstica.
Na
linguagem cortante de Dalton Trevisan, pode-se divisar a crítica à
subalternidade das domésticas, à sua condição subumana de vida e à opressão das
patroas (“Essa Maria, um objeto de
casa, capacho da porta, a vassoura no prego”). Na “mitologia” Daltoniana , Maria é a
donzela casadoura, é a personagem que se perde como a mãe e a avó, daí a
insistente genealogia tipificadora “Maria,
filha de Maria, a filha de Maria”.
A
concisão e a repetição sequenciada reproduzem a monotonia das ladainhas – uma
analogia ao marasmo dos serviços caseiros (“Maria
não vai ao circo”; “Maria não vai ao Passeio Público”; “Maria não vai ao
cineminha”) e à beatitude das filhas de Maria.
A
idealização de um soldado leva à aspiração matrimonial de uma donzela tardia (“Onde estão as praças de cavalaria, o tinir
das esporas na calçada? Trinta e um anos de Maria!”).
O assédio do “cabo” e a ingenuidade de
Maria compõem o clímax da narrativa.
Na
conclusão, o continuísmo da tragédia irônica: “Em
nove meses Maria, filha de Maria, vai ser mãe de Maria”.
13.
O humor na linguagem
Um quarteirão de peruca
para Clodovil Pereira
Entrou numa casa
especializada e pediu uma peruca:
- Coisa moderna, de
fazer vista.
O especialista, com
jeito técnico , aconselhou:
_ Para o cavalheiro, se
permite a sugestão, o melhor é uma peça discreta, tipo Napoleão Bonaparte.
O aprendiz de calvo,
que era exagerado, repeliu o conselho. E enérgico:
- Não serve! Quero que ostentosa, de
Cristóvão Colombo para cima. Negócio de devastar corações na primeira peruca.
O especialista arrumou
para Clodovil Pereira um quarteirão de peruca. Trabalho tão sortido de ondas
que Pereira pensou em colocar no alto da cabeça, um farol de aviso aos
navegantes. E no espelho, de peruca em cima:
- É uma peça! Mata a
pau qualquer coração.
E assim, cabeludão,
modernão, transitou sua belezura para Alfenas, onde devia cativar interesses
de moça bem apanhada de cara e de
dinheiro. Só em moeda corrente do país sua beleza pulava na frente de dois
bilhões. Estava tudo encaminhado por um primo dela, o encalacrado Barbirato
Carvalhais, que participava dos entendimento na força de dez por cento. E no
balancinho do trem, que levava Pereira para sua mina de Alfenas, em presença
do espelho do lavatório, Clodovil mais uma vez espalhou elogios em louvor das
marolas da peruca;
- É demais! Um cabelo
assim nem vai caber em Alfenas. Vão pedir outra cidade de reforço.
Chegou, ficou um par de
dias na casa de prima de Barbirato, valsou com ela na sala de visitas, pisou
luar em sua companheira, encaixou dois poréns no ouvido da menina e voltou,
no trem das sete, para seu negócio de
representante a domicílio no Laboratório Almeida Guedes. E já pensava, de dentes
acesos, na alta corretagem que Barbirato ia abocanhar ( “Mas de cem mil em
dinheiro contado! Ladrão!"), quando recebeu do dito Barbirato o seguinte
telegrama: “Casamento foi pelo barranco. Prima apreciou educação, teu pé de
valsa, mas achou cabelo demais. A prima é louca por careca”.
(José
Cândido de Carvalho)
|
Narração
bem-humorada, cuja linguagem criativa compõe o mundo mental do protagonista
Clodovil Pereira, candidato a dar o famoso “golpe
do baú”, frustado exatamente pelas “marolas
da peruca” que tanto fez questão de comprar.
Observe
a inventividade de José Cândido de
Carvalho, compondo o inovador linguístico da narrativa: “farol de aviso aos navegantes”
(=peruca), “pisou
luar”,
“encaixou dois poréns”, “dentes acesos”.
Sua
linguagem incorpora o gosto brasileiro pelo aumentativo e pelo diminuitivo ( “cabeludão”, “modernão”,”balancinho”)
com a mesma naturalidade com que dá novos contornos ao oportunismo da
malandragem. O desfecho, momento fundamental, é tão inesperado quanto cômico.
14.
Só diálogos
O clube dos suicidas
A senhora
– o que foi que tomou,mesmo? Comprimidos. Não sabe que comprimidos? Gardenal.
Tomou Gardenal. Muitos? Cuidado, não pise no fio do microfone. Dez
Comprimidos. E o que foi que sentiu? Uma tontura gostosa! Vejam só, uma
tontura gostosa! Não é notável ? Uma tontura gostosa. E foi por causa de
quem? Olha o fio. Do marido. O marido bebia. Batia também? Batia. Voltava bêbado e batia.
Quebrava toda a louça. Agora prometeu se regenerar. E ela não vai tomar mais
Gardenal. Palmas. Olha o fio. Fica lá, à esquerda. Ali. Junto com as outras.
Depois recebe o brinde. Aproveito este breve intervalo para anunciar que a
moça loira da semana passada – lembram, aquela que tomou pó de rato? Morreu.
Morreu ontem. A família veio aqui me avisar. Foi uma dura lição, infelizmente
ela não poderá aproveitar. Outros farão. E a senhora? Ah, não foi a senhora,
foi a menina. Que idade tem ela? Dez . Tomou querosene? Por que a senhora
bateu nela? A senhora não bate mais, ouviu? E tu não toma mais querosene,
menina. A propósito, que tal o gosto? Ruim? Não tomou com guaraná? Ontem
esteve aqui uma que tomou com guaraná. Diz que melhorou o gosto. Não sei
nunca provei. De qualquer modo, bem-vinda ao nosso Clube, fica ali, junto com
as outras. Cuidado como o fio. Olha um homem! Homem é raro aqui. O que houve?
A mulher lhe deixou? Miserável. Ah, não foi a mulher. Perdeu o emprego.
Também não é isto. Fala mais alto! Esta desenganado. É Câncer? Não sabe o que
é. Quem foi que desenganou ? Os doutores às vezes se enganam. Fica ali à
esquerda e aguarde o brinde. E esta moça? Foi Flit? Tu pensas que é barata,
minha filha? Vai ali para a esquerda. Olha o fio, olha o fio. E esta semana
tão velhinha – já me disseram que a senhora quis se enforcar. É verdade? Com o
fio do ferro elétrico, quem diria! É dá? Mostra para nós como é que foi. Pode
usar o fio do microfone.
( Moacir Scliar)
|
O
autor subverte o discurso direto, já que somente o entrevistador se manifesta.
O leitor supõe a existência dos interlocutores unicamente por meio da fala do
narrador, que retoma, até com certa insistência por meio da fala do narrador,
que retoma, até com certa insistência, a provável resposta dos entrevistados: “
O marido bebia. Batia também?
Batia. Voltava bêbado e batia”.
Observe-se
ainda que o autor interpõe, durante a narrativa, impressões que levam ao leitor
elementos mínimos do cenário e da situação em que se encaixam as entrevistas: “Cuidado, não pise no fio do microfone”;
”Olha o fio”; “Fica lá, à esquerda. Ali, junto com as outras”.
Esse
é um exemplo de narrativa montada com o uso exclusivo de diálogos.
As
frases curtas e coordenadas parecem reproduzir a performance de um apresentador
de programas de auditório em que um assunto delicado como o suicídio e exposto
publicamente.
O
microfone evidencia o grande número de pessoas que participam do Clube, tomando
conhecimento das experiências alheias.
15.
Uma questão de semântica
Desliturgias
Entrei
para o seminário com 12 anos, me ordenei padre com 24, aos 30 dei baixa. De
modo que fui, boa parte da vida, um profissional de rituais de passagem, do
batizado á extrema-unçao. Então, não gostaria de falar dos rituais mais
clássicos.
Gostaria
de falar de certas liturgias pessoais, únicas. De bobos momentos em que uma
pequena, pobre coisa se deu, marcante para sempre.
Meu
primeiro nome feio. Uma vez, no seminário, um colega quase foi expulso porque
sugeriu, no piano, a possibilidade de um nome feio. No caso, muito feio
mesmo. É que numa tarde de domingo de chuva ele tocou os primeiros acordes de
um tango cuja letra , a certa altura, continha, segundo um dedo-duro
presente, a palavra lupanar . Um nome muito feio mesmo. O padre-diretor
ordenou uma pesquisa da letra do tango; o tal lupanar de fato pintava e o
menino guase foi expulso. Eu, que estava perto, fui chamado para depor e
tergiversei ao máximo. Eu já achava nome feio uma coisa muito bonita. Tudo
por causa do meu primeiro nome feio. Ele deu nos campos da minha infância,
numa chacrinha perdida entre Lavras e Bagé, em pleno pampa gaúcho. Na frente
de casa, embaixo de um cinamomo, mateavam alguns tosquiadores de ovelha
quando lá no alto da coxilha despontou
um homem a cavalo. Um pontinho que veio crescendo, crescendo e chegou. Era um
gauchito desempenado, barba meio
crescida, dentes muito brancos. Eu nunca tinha visto o mar, mas me pareceu,
menino, que aquele homem vinha do mar. Antes mesmo de apear deu um toque no
aba-larga, riu largo e esporeou:
- Buenas
tardes, fiadasputa.
Eu achei
aquela saudação tão leal, tão cristã, tão limpa e tão terna, que nunca mais
pude achar feio um nome feio. A não ser lupanar, cartório, inadimplência,
essas coisas.
(Carlos Moraes)
|
O
narrador vai buscar num episódio de infância as impressões ingênuas que, na
idade adulta, o levariam a repensar as convenções linguísticas e suas raízes
moralizantes.
A
narrativa combina temporalidade ( a retrospectiva da memória), descritivismo (
a caracterização do pampa e do gauchito) e reflexão (os comentários subjetivos
do narrador).
Em
suas reflexões quase confessionais, o narrador declara-se, por força de uma
formação seminarista, um “profissional
de rituais de passagem”. Mas é nas “liturgias pessoais”
que ele se detém, cotejando lembranças de situações díspares (no seminário e
nos campos). Sua visão analítica expande-se além da semântica para criticar
convenções e moralismos.
Na
simplicidade intencionalmente infantil de sua linguagem, percebe-se o espírito
mordaz que extrai da aproximação dos dois episódios uma crítica aos desmandos
da educação eclesiástica: a censura à palavra “lupanar” numa composição musical
nega um fato linguístico – a liberdade do falante em fazer uso do vernáculo.
Na
trajetória de suas impressões, um “nome
feio”
como “fiadasputa” é
destituído de caráter pejorativo, pois surge com a espontaneidade da linguagem
oral, num contexto que neutraliza seu caráter ofensivo. Para o narrador, “fiadaputa” interpreta-se semanticamente
como uma saudação “leal”,
“Cristã”, “limpa” e “terna”, numa retomada dos conceitos
valorativos da educação religiosa que recebeu. Já as palavras “lupanar”, “cartório”, inadimplência”, que
traduzem a institucionalização, as convenções e os códigos, são consideradas
impropérios devido aos significados que a sociedade lhes imprimiu.
16.
As virtualidades da linguagem
Nós, os temulentos
Como que,
casual, por ele perpassou um padre conhecido, que retirou ao breviário os
óculos, para a ele dizer: - Bêbado,
outra vez...
- e em
pito de pastor a ovelha. –É? Eu também...
– O Chico respondeu, com báquicos, o melhor soluço e sorriso.
E, como a
vida é também alguma repetição, dali a pouco de novo o apostrofaram : - Bêbado outra vez? E:- Não senhor...
– o Chico retrucou - ... ainda é a
mesma.
E, mais
três passos, pernibambo, tapava o caminho a uma senhora, de paupérrimas
feições , que em ira o mirou, com trinta espetos. – Feia! – O Chico disse; fora-se-lhe a galanteria. – E você, seu bêbado!? – megerizou a
cuja. E, aí, o Chico: - Ah, mas...
Eu?... Eu, amanhã, estou bom...
*****************************
E não
menos deteve-o um polícia: - Você está
bebaço borracho! – Estou não
estou... – Então, ande reto nesta linha do chão. – Em qual das duas?
E foi de
ziguezague, veio de zaguezique. Viram-no, à entrada de um edifício, todo
curvabundo, tentabundo. – como é que o
senhor quer abrir a porta com um charuto? – É... então, acho que fumei a
chave...
E, hora
depois, peru-de-fim-de-ano, pairava ali, chave no ar, na mão, constando-se de
tranquilo terremoto. – Eu? Estou
esperando a vez da minha casa passar, para poder abrir... Meteram-no a
dentro.
(Guimarães Rosa)
|
A
situação humorística e a inventividade linguística cruzam-se num efeito estético
único, que só a linguagem de Guimarães Rosa alcança. A intercalação das ações
com os diálogos resulta em grande expressividade: “Feia! –
o Chico Disse; fora-se-lhe a galanteria.
– E você, seu bêbado !?
– megerizou a cuja”.
Os
neologismos em Guimarães Rosa são marcas discursivas que põem em relevo as
possibilidades de a língua funcionar como um inventário aberto de
produtividade: “megerizou
a cuja”, “zanguezique”, “curvabundo”, “tentabundo”.
17.
A estética do vago
A vaguidão específica
As
mulheres têm uma maneira de falar
Que eu
chamo de vago-específica.
(Richard Gelman)
-Maria,
ponha isso lá fora em qualquer parte.
-Junto
como as outras?
-Não
ponha junto com as outras, não. Senão pode vir alguém e querer fazer qualquer
coisa com elas. Ponha no lugar do outro dia.
-Sim
senhora, olha, o homem está aí.
-Aquele
de quando choveu?
-Não, o
que a senhora foi lá e falou com ele no domingo.
-Que é
que você disse a ele?
- Eu
disse pra ele continuar.
-Ele já
começou?
- Acho
que já. Eu disse que podia principiar por onde quisesse.
-É bom?
- Mais ou
menos. O outro parece mais capaz.
-Você
trouxe tudo para cima?
- Não
senhora, só trouxe as coisas. O resto não trouxe porque a senhora recomendou
para deixar até a véspera.
-Mas
traga, traga. Na ocasião, nós descemos tudo de novo. É senão atravanca a
entrada e ele reclama como na outra noite.
-Está
bem, vou ver como.
(Millôr Fernandes)
|
Millôr
Fernandes é exemplar quando se trata de produzir textos criativos, rompendo
estruturas convencionais, inovando na linguagem e nas situações inusitadas.
O
texto “A vanguidão específica” é uma sequência de diálogos vagos para o leitor
(“Não ponha junto com as outras, não. Senão pode vir alguém”), pois não aparece
determinada a situação em que eles ocorrem. Percebe-se o espaço doméstico
através da suposta relação entre patroa
e empregada.
A
linguagem coloquial apresenta traços da oralidade cotidiana fática e
descuidada, na presença do anacoluto (“Aquele de quando choveu?”) e da sintaxe
truncada pelo uso incorreto de pronomes e conectivos (“Ponha no lugar do outro
dia; Não, o que a senhora foi lá e falou com ele no domingo”).
Não
há precisão informativa no que se refere à sequência de ações, à relação entre
as personagens e aos objetos dos quais se fala (“Não ponha junto com as outras
não. Senão pode vir alguém e querer fazer qualquer coisa com elas; Olha, o
homem está aí”).
Os
diálogos e até mesmo as noções espaciais (“lá fora, pra cima, aí, a entrada”)
caracterizam o texto como narrativo; entretanto, a estrutura cronológica –
começo, meio e fim – é indefinida; há também fragmentos temporais imprecisos:
“do outro dia, no domingo, a véspera, na ocasião, na outra noite”. É um texto
que poderíamos qualificar como “sem pé nem cabeça”.
18.
O latinorum no gymnasium
Rosa, Rosa, Rosae
Rosa, Rosa, Rosae, na
aula de latinorum do Prof José Evangelistorum, só as moscas voorum, ninguém
piorum. Rosae, Rosa, Rosam por qualquer coisorum o Prof. José Evangelista
relampeorum, trovejorum. A todos castigabus, gritava Violeta, Violetae,
Violetorum escrever mil vezes vezorum nunca mais he de mascar chicles,
chicletes, chicletorum na aula de latinorum. Paulo Paulis Paulu ficabus de
joelho lá na frente frentorum e se outra vez eu te pegorum, dominus, domine,
domini, o Prof. José Evan-gelistorum a mesa, esmurrorum na aula,aula, aulae
de latinorum, como Joe Louisorum, a mesa, mesa, mesae nocauterorum.
Calça, calça, calcae,
quase pega frangorum, cruz crudibus na lapela, o Prof. José Evangelista 12
anos passorum na soli, solidão, solidorum do seminário. Nunca ridibus, sempre
serius e de meia preta, o colarinho da camisa encardido encardidae, as pontas
viradas, nos olhos duas olheiras coe de uma sexta-feira da Paixãozorum. Só de
entrar na sala, lá vem El Tigre Tigrorum, todos tremorum, aos alunos
fuzilorum com seu olhar de lobisomem lobisomorum e todos tremiam peronia
século seculorum.
(Roberto Drummond)
|
Satirizando a austeridade das aulas de latim, a narrativa
ridiculariza o clássico exemplo rosa,
rosae, modelo segundo o qual todos os substantivos da primeira
declinação se flexionam.
A sonora verbosidade do latim percorre todo o texto, no
qual o humor e a criatividade se sobressaem ao fato narrado (os rigores do
professor durante uma aula), que, em sua essência, é prosaico.
Adulterando as declinações, flexões e o caráter simbólico
das palavras, o narrador descamba para o deboche ao reproduzir uma aula de
latim em que o professor é reduzido à
condição de caricatura, nos maneirismos (“por
qualquer coisorum (..) relampeorum, trovejorum”; “a todos castigabus;Nunca ridibus, sempre serius” etc.) e no aspecto físico (“ de meia preta, o colarinho da camisa
encardido, encardidae, as pontas viradas, nos olhos duas olheiras cor de uma
sexta-feira da Paixãozorum”).
A alusão à formação seminarista acentua o estereótipo do
professor de latim (“12 anos
passorum na solidão, solidorum”), e , no trânsito
irreverente das palavras , ele é ao mesmo tempo Evangelista e Evangelistorum.
A conclusão do texto remete aos textos medievais de cunho
eclesiástico (“peronia
século seculorum”), nos quais era recorrente a imagem da
permanência divina ao longo dos séculos.
Assim, a narrativa recupera a temática arcaica de uma
aula de latim no ginásio (realidade anterior à Reforma Capanema, na década de
50) para inovar na recriação da linguagem e criticar a aprendizagem falha
decorrente da postura autoritária do “mestre”.
19.
Transgredindo as regras do jogo
Snnoker
Certa vez eu jogava uma
partida de sinuca e só havia a bola sete na mesa. De modo que mastiguei-a
lentamente saboreando-lhe os bocados com prazer. Refiro-me à refeição que
havia perdido ao garçom. Dei-lhe duas tocadas na cara. Estou me referindo à
bola. Em seguida saí montado nela e a égua de que estou falando agora, chegou
calmamente à fazenda de minha mãe. Fui encontra-la morta na mesa, meu irmão,
comia-lhe uma perna com prazer e ofereceu-me um pedaço: “obrigado”, disse eu
“já comi galinha no almoço”.
Logo em seguida chegou
minha mulher e deu-me na cara. Um beijo, digo.
Ao mesmo tempo eu
dei-lhe um pontapé e a cachorrinha saiu latindo. Então apertei-a contra mim e
dei-lhe um beijo na boca. De minha mulher, digo. Dei-lhe um abraço. Fazia
calor. Daí a pouco minha camisa estava inteiramente molhada. Refiro-me à que
estava na corda secando quando começou a chover. Minha sogra apareceu para
apanhar a camisa. Não tive outro remédio senão esmaga-la com o pé. Estou
falando da barata que ia trepando na cadeira.
Malaquias, meu primo,
vivia com uma velha de oitenta anos. A velha era minha sua avó, esclareço.
Malaquias tinha dezoito filhos mas nunca se casou. Isto é, nunca se casou com
uma mulher que durasse mais de um ano. Agora, sentado à nossa frente,
Malaquias fura o coração com uma faca. Depois corta as pernas e o sague
vermelho do porco enche a bacia.
Nos bons tempos
passeávamos juntos. Eu tinha um carro. Malaquias tinha uma namorada. Um dia
rolou a ribanceira. Me refiro a Malaquias. Entrou pela pretoria e dentro
arregentando a porta e parou resgolegante junto do juiz pálido de susto. Me
refiro ao carro. Depois então saiu da pretoria com a noiva já na direção. Me
refiro ao carro. E a Malaquias.
(Millôr Fernandes)
|
Uma sucessão de ações desconexas cruzam-se como num jogo
de snnooker: assim como a bola sete vai de encontro com as demais, que se
chocam entre si, num confuso vaivém, a narrativa de Millôr Fernandes reproduz,
com episódios fragmentados e descontínuos (“Dei-lhe
duas tacadas na cara. Estou me referindo à bola”),
a profusão de movimentos de uma mesa de bilhar. É um procedimento lúdico em que
o narrador, como que incorporado à bola sete, elabora combinatórias
inesperadas.
A ausência de enredo criativamente transgride as relações
de causa e consequência, pois, em lugar de uma inter-relação entre as
personagens, temos episódios distintos, sem nexo causal, desencadeados como
numa partida de sinuca.
A conclusão inexiste: não poderia haver desfecho, já que
não há trama. O texto detém-se repentinamente, tal como as bolas se paralisam
após os choques que se sucedem à primeira tacada.
20.
História da carochinha
Era uma vez ...
Era uma vez um homem
que estava pescando, maria . Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era
tão pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas
escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e
pincelou com iodo a garganta do coitadinho.
Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse
no quente. E deste então ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o
acompanhava, a trote, que nem um cachorrinho. Pelos elevadores. Pelos cafés.
Como era tocante vê-los no “17”! – o homem, grave, de preto, com uma das mãos
segurando a xícara de fumegante moca, cuidando do peixinho, enquanto este,
silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho
especial...
Ora, um dia o homem e o
peixinho passeavam à margem do rio
onde o segundo dos dois fora pescado. E eis que os olhos do primeiro se
encheram de lágrimas. E disse o home ao peixinho:
“Não, não me assiste o
direito de te guardar comigo. Por que
roubar-te por mais tempo o carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus
irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, nçao e não! Volta para o seio de tua
família . E viva eu cá na terra sempre triste!...
Dito isto, verteu
copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho n’água. E a água fez
um redemoinho, que foi serenando, serenando... até que o peixinho morreu
afogado...
(Mário Quintana)
|
Fórmulas
consagradas pelos contos da carochinha combinam-se com elementos do maravilhoso
fantástico nessa narrativa de Mário Quintana, ultrapassando os limites do
imaginário.
Das narrativas
infantis Mário Quintana reproduz a nostálgica expressão “Era uma vez”,
seguida do vocativo “Maria”,
recuperando um procedimento das narrativas orais.
Opondo-se a essa simplicidade, o autor, no terceiro
parágrafo, elabora com refinamento linguístico a fala da personagem humana,
lembrando a linguagem tradicional dos antigos contos de fadas de Perrault
e dos irmãos Grimm.
Outro contraste da narrativa é o cenário contemporâneo
(elevadores, café), no qual o maravilhoso fantástico resulta do afastamento ou
distorção da realidade: o peixinho acompanhando o homem como um cachorrinho, a
imagem das várias mãos (para
segurar uma xícara, um jornal, um cigarro e cuidar do peixinho), o
animalzinho tomando laranjada de canudinho e a tristeza que acomete o homem à
margem do rio.
O relacionamento de um homem com um peixe remonta ao
conto do rodovalho encantado, de Perrault. Ao desfecho inesperado ( o
afogamento do peixinho) somando-se os traços fantásticos, a
linguagem simples do narrador e as
palavras arcaizantes da personagem, compondo uma narrativa moderna que subverte
criativamente o texto inaugural de Perrault.
21.
Ação... sem verbos
Circuito fechado
Chinelos, vaso,
descarga. Pia, sabonete. Àgua. Escova, creme dental, água, espuma, creme de
barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água
quente, toalha, Creme para o cabelo, pente, cueca, camisa, abotoaduras,
calça, meias, sapatos, gravata, paletó. Carteira, níqueis, jornais,
documentos, caneta, chaves,relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos.
Jornal. Mesa, cadeiras,xícara e pires, pratooo bule, talheres, guardanapo.
Quadro, Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro,
papéis, telefone, agenda, copo com lápis, canetas, bloco de notas, espátula,
pastas, caixas de entrada, de saída, vaso com plantas, quadros, papéis,
cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis, telefone, papéis. Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros,
cadeiras, esboços de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel,
caneta, projetor de filmes, xícara, cartaz , lápis, cigarro, fósforo,
quadro-negro, giz, papel, mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadeiras,
copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapos, xícara. Maço de cigarros,
caixa de fósforos. Escova de dentes, pasta, água. Mesa e poltrona, papéis,
telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo, telefone interno,
externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel , pasta,
cigarro, fósforo, papel e caneta, telefone , caneta e papel, telefone,
papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, pape e caneta. Carro. Maço
de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona, copo, revista.
Quadros. Mesa, cadeiras, cadeiras, pratos, talheres, copos, guardanapos.
Xícara. Cigarro e fósforo. Poltrona, livro. Cigarro e fósforo. Televisor,
poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos, meias, calça,
cueca, pijama, chinelos. Vaso descarga, pia, água, escova, creme dental,
espuma, água. Chinelos. Coberta, cama, travesseiro.
(Ricardo Ramos)
|
Numa narrativa atípica , em que foram abolidos verbos,
adjetivos e conjunções, o narrador relata o dia-a-dia de um executivo,
sugerindo-lhe ações por meio dos substantivos que preenchem seu cotidiano.
O autor viabiliza a narrativa na sucessão de cenários e
objetos afins, tornando sutil a passagem do ambiente doméstico para o
escritório e vice-versa: num movimento circular, subentende-se a ida ao
trabalho e o retorno a casa, sendo os objetos, e o espaço a que pertencem, os
índices espaciais e temporais desse percurso.
Mesmo compondo um inventário de objetos, o texto perde
seu caráter descritivo pela ausência de adjetivos que atribuiriam
características a cada substantivo. A estrutura narrativa é corrompida para
apresentar, num único parágrafo, o automatismo do cotidiano de um publicitário.
A segmentação de objetos é monótona, repetitiva e circular: começa quando o
executivo desperta e termina quando ele se deita, após fechar um circuito diário
de atividades lineares e invariáveis. Não há tensão, não há clímax.
Assim, dispensando os elementos essenciais da narração, o
texto alcança máxima originalidade nos índices domésticos (creme de barbear, pincel, cueca, gravata,
paletó) e profissionais (esboço
de anúncios, fotos, projetor de filmes, prova de anúncio).
Temos, paradoxalmente, uma narrativa que conta a rotina
de um homem voltado para o universo da publicidade, da qual se deduz que, nas
invariantes do cotidiano, inserem-se as variantes da criação.
22.
O jogo entre pontuação e sonoridade
Zilzinho
Zero a
zero que zebra o time já não tem gás a tempo é fugaz o juiz vai finalizar que
azar Zinho não desistiu faz o sinal da
cruz buscando luz e zarpa com rapidez boal no pé e que clareza desliza esvazia a defesa e que
beleza um chute cruzado mas sem diretriz que infeliz por um triz a galera tá
que tá zangada exaltada enfezada e com razão quer dar vazão arma o banze
exige desempenho e desempate um golzinho só unzinho faz a fineza seu juiz de
desonrar sua origem inglesa atrase o relógio mostre grandeza e lá vai o Zinho
de novo sozinho solta essa bola rapaz não seja voraz mas que esperteza que
braveza é esse rapaz é um faz-tudo
Em zigeu-zague
d
e
s
a
t
i
n
a
d
o
deixa o zaga zonza
prá trás tá na cozinha e zás-trás gol Brasil zil zil
zinho!!!
(Lia Zatz)
|
O
texto reproduz a irradiação de uma partida de futebol: a ausência de pontuação
dá o ritmo acelerado da locução de rádio.
A
aliteração contínua forma rimas que produzem sonoridade e acrescentam
poeticidade ao texto (“que clareza desliza esvazia a defesa e que beleza”). Um
recurso concretista acentua a estética inovadora e poética: a quebra da
linearidade com a palavra “zigue-zague” corta bruscamente a leitura,
diminuindo-lhe o ritmo (como faz um locutor nos lances que antecedem o gol) e
intensificando o som até culminar com a fusão gráfica e fonética
Brasil/Zil/Zinho.
A
disposição oblíqua da palavra “desatinado” forma a letra “z” (matriz das
aliterações predominantes), que graficamente forma o ziguezague do drible do
jogador e impõe uma leitura lenta.
Assim,
temos o flagrante narrativo em que um tema prosaico, como uma partida de
futebol, torna-se criativamente poético.
23.
Narração escolar
A
narração, no sentido escolar no termo, é um texto conciso e superficial, em que
os fatos não podem ser aprofundados devido ao exíguo espaço para construção da
história (em média 30 linhas). Por esse motivo, os índices temporais devem ser
apenas os imprescindíveis para mensurar cronologicamente a história; o espaço é
apenas citado (nos romances, a localização espacial é delimitada e caracterizada,
às vezes, em muitas páginas); as personagens são apenas as essenciais ao
desenrolar dos fatos; quanto ao enredo,
as ações são geradas em função de um acontecimento(nas narrações extensas são
vários os acontecimentos que engendram o enredo).
Essa
é a modalidade mais criativa e que mais possiblidades dá à imaginação para
tecer infinitas combinações de estrutura e enredo.
Entretanto,
numa simplificação pedagógica, convencionou-se uma estrutura em que as
personagens, o espaço e o tempo geralmente são mencionados na exposição. A
partir do desenvolvimento, o acontecimento instaurador da tensão ou conflito
começa a se delinear ( um casamento, um
crime, um encontro, uma surpresa , etc), provocando suspense. A complicação
decorrente atinge um ponto maior de tensão chamado clímax. O desfecho caracteriza-se pela
solução do conflito, ou pelo esclarecimento da trama, ou ainda por apresentar
uma situação de equilíbrio desejada.
Ao
desenvolver um texto narrativo-descritivo, o aluno deve intercalar passagens de
ação com flagrantes descritivos, de modo a delinear personagens e lugares com
intenção funcional, já que na concisão da narrativa escolar devem figurar
somente os dados relevantes ao enredo.
Se o
aluno preferir um texto essencialmente narrativo, pode prescindir ao
descritivismo, privilegiando apenas as ações em seu percurso temporal.
Assim,
visando à narração para vestibular, personagens e ação são imprescindíveis.
Além desses elementos, em sua redação não
devem faltar emoção, suspense, surpresa e criatividade para torna-la
cativante ao leitor. Leia cuidadosamente os textos transcritos na parte de
criatividade na narração e observe como a linguagem é fundamental para definir
o estilo, conferindo um toque de originalidade à história.
24.
Receita de texto narrativo
Com
alguns traços marcantes e essências, procure caracterizar física e
psicologicamente sua personagem.
Torne
sua idealização interessante para o leitor.
Ex.:
fisicamente: olhos castanhos;
Psicologicamente: inteligente, ingênuo;
Trabalhe
sua linguagem de modo a combinar dados físicos e psicológicos, oferecendo uma
visão totalizante da personagem.
Ex.:
Nos olhos castanhos de William, havia um brilho inteligente e ingênuo enquanto
lia a carta de Mariana.
Lembre-se
de que os períodos muito longos (num espalho aproximado de 30 linhas) tornam o
texto “arrastado”; já os períodos curtos demais, se não forem bem construídos,
podem tornar primária a redação. Prefira períodos curtos, sintetizando as
ações.
Ex.:
Todos correram alvoroçados; ninguém se machucou. Primeiro o pânico, depois o
riso.
Procure
criar uma situação inusitada que desencadeie uma complicação, pois é o
inesperado que sustenta o gosto pela leitura.
Você
pode narrar com ou sem diálogos. Os discursos diretos, quanto à pontuação, devem
ser padronizados.
Observe
que os diálogos são um recurso da literatura para cativar o leitor. Quando bem
articulados, tornam mais fluente a narrativa.
Ex.:
- O que você esperava que eu fizesse?
-
gritou João.
-
Esperava que reagisse, só isso!
Ao
introduzir o ambiente na narração, não se detenha em detalhes supérfluos.
Caracterize os espaços e objetos determinantes da ação.
Ex.:
Na sala, apenas o sofá vermelho que acalentava as noites insones de Luís.
Procure
estender ao desfecho a criatividade que você manteve ao longo do texto. O
desfecho deve ser original, inesperado, surpreendente, para não transformar a
narrativa num simples relato.
Não
se esqueça de que o enredo de sua narrativa , antes do desfecho, deve
apresentar suspense e clímax.
Esquematizando, têm-se:
Personagem (ns):
- define(m)-se
pelas características e pelas ações.
Enredo:
- ação, organização
de fatos.
Tempo:
-cronológico (tempo
real);
-psicológico (tempo
mental).
Espaço:
-lugar (definido
pela descrição ou apenas citado).
Espaço:
-lugar (definido
pela descrição ou apenas citado).
Foco
narrativo:
- de terceira
pessoa (de fora da história); narrador onisciente (tudo sabe, conhece e
interioridade das personagens) e narrador observador (tudo vê);
- de primeira
pessoa (de dentro da história): narrador personagem (conta o que vê como
personagem).
Discurso:
-direto ( fala do
personagem);
-indireto (o
narrador traduz a fala da personagem);
- indireto livre (
fusão da fala do narrador com a do personagem ).
|
25.
Uma narração escolar
Considerando
que o aluno, na escola, é preparado para ter bom desempenho no vestibular, sua
narração não deve ser longa como um conto, nem tão curta quanto uma piada.
No
entanto, deve ter o enredo cativante de um conto e a simplicidade de uma piada,
sempre com a originalidade e a linguagem que devem caracterizar a mentalidade e
a criatividade de um adolescente.
Observe
como a proposta abaixo foi habilmente desenvolvida por uma aluna.
Proposta
de redação
Elabore
um texto narrativo imaginando os possíveis desfechos da situação apresentada no
texto a seguir.
A narrativa apresenta um conteúdo inusitado e
você não deve adaptá-lo aos padrões da realidade. Portanto, não conclua seu
texto dizendo que tudo não passou de um sonho.
Não
se esqueça de que você deve dar continuidade à história; por isso, narre em
terceira pessoa, contando as situações por que passou a personagem do texto.
O homem cuja orelha cresceu
Estava escrevendo,
sentiu a orelha pesada. Pensou que fosse cansaço, eram 11 da noite, estava
fazendo hora extra. Escriturário de uma firma de tecidos, solteiro , 35 anos,
ganhava pouco, reforçava com extras. Mas o peso foi aumentando e ele percebeu
que as orelhas cresciam. Apavorado, passou a mão. Deviam ter uns 10
centímetros. Eram moles, como de cachorro. Correu no banheiro. As orelhas
estavam na altura do ombro e continuavam crescendo. Procurou uma tesoura, ia
cortar a orelha, não importava que doesse. Mas não encontrou, as gavetas das
moças estavam fechadas. O armário do material também. O melhor era corre para
a pensão, se fechar antes que não pudesse mais andar na rua.
(Ignácio de Loyola Brandão)
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(Luciana Andréa S. Simão)
Segundo
colegial – Unidade Santo Amaro
Superorelha, o heroí tupiniquim
Fez
peripécias incríveis para passar pela rua antes de chegar à pensão; vestiu
uma capa de chuva e pós o capuz em pleno calor de verão. Só faltavam os
óculos e o chapéu para se tornar uma caricatura perfeita de um espião de
filmes classe B. Um James Bond tupinquim. Entrou na pensão como um larápio,
pé em pé, sem chamar a atenção de uma mísera mosca. Chegou em casa e percebeu
tristemente que as orelhas haviam crescido por demais. Sentiu-se o próprio
Dumbo. Para escondê-las , enrolou-as no alto da cabeça, amarrou-as e pôs seu
enorme chapéu panamá, que usou no carnaval para sair de malandro. Do jeito
que estavam, não haveriam de ficar! Saiu durante a noite para oxigenar seu
cérebro. Viu tantos tipos estranhos na cidade: bêbados, prostitutas,
homossexuais, viciados. Todos os tipos estranhos, e a sociedade aceitava-os
como eles eram, por que não a ele e às sua enormes orelhas?
Tomou a
decisão mais difícil de sua vida: revelaria ao mundo suas orelhas. Tirou seu
chapéu, soltou-as e pensou consigo como era bom ser livre de convenções, de
dogmas , de tabus. Saiu contente pela cidade afora, balançando suas enormes
orelhas. Chegou em casa e sentiu-se mais humano, afinal tinha-se aceitado
como realmente era. Dormiu o sono dos deuses e dos anjos. Acordou no outro
dia, como outro dia qualquer da semana, e foi ao seu trabalho.
Todos o
olhavam, mas nada comentavam com ele, porém percebia os cochichos às suas
costas. Foi despedido e discriminado por todos. Porém, ele agora era
especial, ouvia a quinhentos metros de distância e voava, como um super-herói.
Passou a trabalhar na polícia, como agente muito especial, que ouvia o que os
criminosos planejavam e voava para contar à polícia. Quem disse que o
terceiro mundo não pode ter super-heróis? Pode si, e no Brasil ele agora é
conhecido como superorelha, o herói tupiniquim.
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Bom
estudo meus amores com muita paz e luz com carinho de sua eterna Prof Dr Master
Reikiana Aldry Suzuki bjs
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