sábado, 2 de fevereiro de 2013

DOM CASMURRO - MACHADO DE ASSIS - ALDRY SUZUKI




DOM CASMURRO
MACHADO DE ASSIS



O tema central de Dom Casmurro é o ciúme e a tragédia conjugal de Bentinho. A começar pela citação dos imperadores César, Augusto, Nero e Massinissa, que mataram suas esposas acusadas de adultério, até a citação do mouro Otelo que matou sua mulher pelo mesmo motivo. Seu primeiro traço de ciúmes surge no cap. LXII quando pergunta a José Dias, agregado da casa de sua mãe, quando este vai visitá-lo no seminário, "Capitu como vai?", ao que o outro responde: "Tem andado alegre, como sempre; é uma tontinha. Aquilo enquanto não pegar um peralta da vizinhança que se case com ela…"Para Bentinho a resposta foi um baque, já que escreve: "A minha memória ouve ainda agora as pancadas do coração naquele instante".


 De acordo com Roberto Schwarz, em Dom Casmurro "a instância mais dramática está no ciúme, que havia sido um entre os vários destemperos imaginativos do menino, e agora, associado à autoridade do proprietário e marido, se torna uma força de devastação."


 Contudo, aqui há uma inovação no tema do ciúme presente em outras literaturas: em Dom Casmurro ele é apresentado do ponto de vista de um marido que se suspeita traído, sem dar margem à versão das outras personagens.


O Rio de Janeiro em 1889.


Outro tema bastante explícito do livro refere-se à sua ambientação: Rio de Janeiro do Segundo Império, na casa de um homem da elite. 

Críticos escrevem que até a época de sua publicação foi o livro que "fez a exploração psicológica mais intensa do caráter da sociedade do Rio de Janeiro".


Bento é proprietário, cursou faculdade e tornou-se advogado, e representa uma classe diferente da de Capitu que, embora seja inteligente, veio de família mais pobre.


O narrador permeia o livro de citações francesas e inglesas, hábito comum entre os aristocratas do século XIX.


 O contraste entre as duas personagens deu margem à interpretações de que Bentinho destruísse a figura de sua mulher por ele ser da elite e ela pobre (ver Interpretações). 

Em Dom Casmurro, o homem é o resultado de sua própria dualidade e incoerente em si mesmo, enquanto a mulher é dissimulada e encantadora.

 Assim, é um livro que representa a política, ideologia e religião do Segundo Reinado.



Típica cena familiar carioca dos tempos de Dom Casmurro, em 1891 (Cena de Família de Adolpho Augusto Pinto; artista: Almeida Júnior)


Segundo Eduardo de Assis Duarte, "o universo da elite branca e senhorial é o cenário por onde o narrador-personagem destila seu rancor e desconfiança quanto ao suposto adultério." 

Schwarz escreve que o romance apresenta as relações sociais e o comportamento da elite brasileira da época: de um lado, progressista e liberal, de outro, patriarcal e autoritária.


 Outro ponto estudado é que Dom Casmurro é quase incomunicável com Capitu — daí o fato de somente os gestos e os olhares (e não palavras) da moça lhe indicarem o possível adultério.


Bento é um homem calado e metido consigo mesmo. Um de seus amigos um dia lhe enviou uma carta escrevendo: "Vou para Petrópolis, Dom Casmurro; a casa é a mesma da Renânia; vê se deixas essa caverna do Engenho Novo, e vai lá passar uns quinze dias comigo.


"Este isolamento, que se torna um motivo para ele "atar as duas pontas da vida", é também um dos temas do romance.


O crítico Barreto Filho, por exemplo, notava ser "o espírito trágico que enformaria a obra inteira de Machado, guiando os destinos para a loucura, o absurdo e, no melhor dos casos, a velhice solitária."




Um dos problemas centrais de toda obra machadiana, e também presente neste livro, é a questão "Em que medida eu só existo por meio dos outros?", uma vez que Bento Santiago se torna Dom Casmurro influenciado pelos acontecimentos dos fatos e pelas ações das pessoas que lhe são próximas.


 Eugênio Gomes observou que o tema da semelhança física do filho resultante da "impregnação" da mãe pelos traços de um homem amado, sem que este gerasse aquele (como acontece entre Capitu, seu filho Ezequiel e o provável pai Escobar), era um tema em foco na época de Dom Casmurro .


Antonio Candido também escreveu que uma das principais temáticas de Dom Casmurro é a tomada do fato imaginado como real, um elemento também presente nos contos machadianos.


Assim, o narrador, através de si mesmo, contaria os fatos através de uma determinada loucura que o faria tomar por realidade suas fantasias, expressas em exageros e enganos.




Brevemente, pode-se dizer que a crítica de Dom Casmurro é relativamente recente. 

Recebeu aval dos contemporâneos de Machado (ver seção Recepção) e as críticas posteriores à sua morte trataram de analisar o personagem Bento e sua situação psicológica. 

Dom Casmurro também foi aproveitada por estudos da sexualidade e da psique humana, e do existencialismo assim que comumente nos tempos recentes atribuiu-se à obra machadiana uma abertura de interpretações.




No entanto, o primeiro tratado que revigorou o papel do romance, escrito por Helen Caldwell na década de 1960, não desfrutou de impactos no Brasil. 

Só recentemente, através de Silviano Santiago, em 1969, e principalmente Roberto Schwarz em 1991, o livro de Caldwell foi descoberto e abriu novas propostas para a obra machadiana. 

Esta também foi a década que Machado de Assis teve maior relevância crítica na França e o romance recebeu comentários importantes através de tradutores franceses; o livro escrito por Dom Casmurro interessou principalmente as revistas literárias de psicologia e de psiquiatria, que também recomendavam a leitura de L'Aliéniste, "O Alienista", a seus leitores.




A crítica moderna, muito influenciada pelo histórico de interpretações do romance, que examinaremos a seguir, identifica nos dias de hoje três leituras sucessivas de Dom Casmurro, a saber:


 1. Romanesca, é a história da formação e decomposição de um amor, do idílio da adolescência, passando pelo casamento, até a morte da companheira e do filho duvidoso.


 2. Próxima do romance psicanalítico e policial, é o libelo acusatório do marido-advogado à cata de prenúncios e evidências do adultério, tido por ele como indubitável.


3. Deve ser realizada à contracorrente, pela inversão do rumo da desconfiança, transformando em réu o próprio narrador, em acusado o acusador.


O histórico das interpretações que se vai ler na próxima seção, destacando a crítica da década de 1930 e 40 até a década de 1980, mostra a reviravolta que se tem feito nas diversas interpretações de Dom Casmurro, sustentada não somente por críticos brasileiros, mas também, e consideravelmente, internacionais. 

A maioria das interpretações do romance são influenciadas pela sociologia, feminismo e psicanálise, e a maioria também se refere ao tema do ciúme do narrador, Dom Casmurro; algumas argumentando que não existiu adultério e outras que o autor deixou a questão em aberto para o leitor.




Interpretações


Entre os temas interpretados ao longo dos anos pelos críticos e ensaístas estão o possível adultério de Capitu, uma análise sócio-psicológica das personagens e o caráter do narrador-personagem. Os críticos da década de 1930 e 40 escreviam que Bento Santiago sofria de distimia e relacionaram sua personalidade calada e solitária com o próprio autor, que deveria sofrer epilepsia.


 Seu amigo Escobar deveria sofrer de transtorno obsessivo-compulsivo e de tiques motores, com possível controle sobre eles.


 Essas considerações desempenharam certo psicologismo em relação à Dom Casmurro e Machado de Assis. A crítica moderna encara essa interpretação como fruto do psicologismo daquela época, que exagerava seus sofrimentos e que não dava importância à sua subida de carreira (como jornalista e trabalhador público).


 Psiquiatras como José Leme Lopes notaram as inibições de desenvolvimento de Bentinho e seu "atraso no desenvolvimento afetivo e neurose". O Bentinho que Dom Casmurro evoca teria "sexualidade tardia" e "predomínio da fantasia sobre a realidade, com angústia."



Para a interpretação psiquiátrica esse seria um dos motivos de seu ciúme doentio. A crítica psicanalista considera que Bento "nasceu destituído de poder ter seus próprios desejos". 

O personagem teria nascido para "preencher o lugar de um irmão natimorto", ao que a psicanalista Arminda Aberasture escreve que "sempre chamava a atenção para as dificuldades que terão em seus desenvolvimento psicológico os filhos que vêm predestinados, vêm em lugar de outro." 

Dom Casmurro foi um menino que serviu a todos os desejos de sua mãe: entrou em seminário, foi padre, e assim alguns o vêem como um homem inseguro e mimado. Bentinho é encarado como um típico homem brasileiro do século XIX da alta sociedade carioca, sem perspectivas históricas (daí o desejo de escrever História dos Surbúrbios mas depois optar por primeiro relatar as memórias de sua juventude), pessimista e esquivo. 

Outros, como Millôr Fernandes, também acreditam que Bentinho tinha tendência à homossexualidade e que apresentava certa afeição amorosa e carinhosa por Escobar.


Ao longo dos anos, Dom Casmurro era visto sob duas óticas principais: uma, a mais antiga, a de confiar nas palavras escritas por Bento Santiago, sem maiores questionamentos a respeito (José Veríssimo, Lúcia Miguel Pereira, Afrânio Coutinho, Erico Verissimo e principalmente os contemporâneos de Machado fazem parte desse grupo); e outra, mais recente, a de que Machado de Assis deixa ao leitor a tarefa de tomar suas próprias conclusões sobre os personagens e o enredo, sendo essa uma das características mais frequentes de sua literatura. Os argumentadores dessa posição muitas vezes abstem-se das questões do romance e encaram Dom Casmurro como uma obra aberta.




"A conclusão à qual Santiago gradualmente leva o leitor é que a traição perpetrada por sua adorável esposa e seu adorável amigo age sobre ele, transformando o gentil, amável e ingênuo Bentinho no duro, cruel e cínico Dom Casmurro."



—Helen Caldwell



A crítica interpretativa dirigida negativamente ao narrador e à salvação de Capitu, argumentando que ela não o traiu, só se deu recentemente, a partir do movimento feminista da década de 1970 pela ensaísta norte-americana Helen Caldwell. Em seu The Brazilian Othello of Machado de Assis (1970), argui que a personagem Capitu não traiu Bentinho, mudando até então a visão que se tinha do romance, e que ela é vítima de um cínico Dom Casmurro que na verdade induz o leitor em suas palavras que não condizem com a verdade.


 A principal prova que Caldwell apresenta é a intertextualidade nítida e frequente que o autor faz do Otelo de Shakespeare, cujo protagonista mata a esposa pensando erroneamente que ela o traiu. A autora escreve sua tese sob a perspectiva principal de que o narrador machadiano é autônomo o suficiente para dar sua própria e única versão dos fatos.


 Para a crítica, Bentinho não o faz de propósito, mas por loucura, já que ele é, segundo as palavras dela, o "Iago de si mesmo".


 Caldwell também revalidou o papel de Capitu, que deveria ser mais bonita e ter melhores sonhos que seu esposo.


 Outros críticos estrangeiros, como John Gledson, a partir da década de 1980 levantaram a hipótese de interesses sociais relacionados à organização e à crise da ordem patriarcal durante o Segundo Reinado. Para o universo carrança, bolorento e recalcado de Dona Glória, com seus viúvos, agregados e escravos, a energia e a liberdade de opinião da mocinha moderna e pobre, atrevida e irreverente, lúcida e atuante, tornaria-se intoleráveis.


 Uma das provas do argumento de Gledson encontra-se no Capítulo 3, que ele considera ser a "base do romance", na motivação de José Dias ao falar da família de Capitu e lembrar a D. Glória a promessa que ela fez de botar Bentinho no Seminário, ou seja, tratando a "gente do Pádua" como inferior e sua filha como uma menina dissimulada e pobre que pode corromper o garoto.




Assim, os ciúmes de Bentinho, menino rico, de família decadente, do bacharel típico do Segundo Reinado, condensariam uma problemática social ampla, por trás daquele "novo Otelo que difama e destrói a amada."


 Essa interpretação sociológica ainda se conserva nos dias de hoje, como lemos nas palavras do ensaísta português Helder Macedo que afirmou, em relação ao tema do ciúme: "Na destruição de Capitu, na neutralização do desafio ao modo de ser alternativo que ela representa, reside o propósito fundamental da restauração procurada por Bento Santiago através da escrita do seu memorial. [...] Ela era uma estranha, uma intrusa, uma ameaça ao status quo, um indesejável traço de união com uma classe social mais baixa, representando assim também, implicitamente, a emergência potencial de uma nova ordem política que ameaçasse o poder estabelecido. 

[...] Classe e sexo são assim fundidos na mesma ameaça representada pela moralidade supostamente dúbia de Capitu".


 Sob tal perspectiva, o narrador, ferramenta esteriotipada usada pelo autor para criticar determinada classe social de sua época, é capaz de utilizar os preconceitos do brasileiro para induzi-lo em sua argumentação contra Capitu.


Entre estes preconceitos temos a semelhança física e os trejeitos que um filho herda do pai verdadeiro, pré-concepção que seria comum à cultura brasileira, e que Bento utiliza ao falar como Ezequiel era a cara de Escobar.



Visando o enjoo que o debate crítico da temática do ciúme desencadeou a partir de então, autores como, por exemplo, José Aderaldo Castello, afirmavam que Dom Casmurro não é o romance do ciúme, mas da dúvida: "é por excelência o romance que exprime o conflito atroz e insolúvel entre a verdade subjetiva e as insunuações de alto poder de infiltração, geradas por coincidências, aparências e equívocos, imediata ou tardiamente alimentados por intuições." Não se desconsidera, portanto, as já citadas hipótese de que Bento Santiago esteja realmente falando a verdade e Capitu o traiu e a de que Machado quis deixar a verdade nas mãos do leitor. 


A escritora Lygia Fagundes Telles, que estudou o romance para escrever o roteiro do filme Capitu (1968), como leitora que chegou a condenar Capitu e depois a condenar Bentinho, disse numa entrevista recente, concluindo: "Eu já não sei mais. 


Minha última versão é essa, não sei. Acho que enfim suspendi o juízo. 

No começo, ela era uma santa; na segunda, um monstro.

 Agora, na velhice, eu não sei. Acho Dom Casmurro mais importante que Madame Bovary. 

Nele há a dúvida, enquanto a Bovary tem escrito na testa que é adúltera."



Recepção


À época de sua publicação, Dom Casmurro foi elogiado pelos amigos próximos do autor. 

Medeiros e Albuquerque, por exemplo, dizia ser este "o nosso Otelo".


 Seu amigo Graça Aranha comentou sobre Capitu: "casada, teve por amante o maior amigo do marido."


 Sua primeira recepção parece ter acreditado nas palavras do narrador e relacionou o livro com O Primo Basílio (1878) de Eça de Queiroz e com Madame Bovary de Flaubert, isto é, romances de adultério.



José Veríssimo, por sua vez, escreveu que "Dom Casmurro trata de um homem inteligente, sem dúvida, mas simples, que desde rapazinho se deixa iludir pela moça que ainda menina amara, que o enfeitiçara com a sua faceirice calculada, com a sua profunda ciência congênita de dissimulação, a quem ele se dera com todo ardor compatível com o seu temperamento pacato.

" Veríssimo também fez uma analogia entre Dom Casmurro e o narrador de Memórias Póstumas de Brás Cubas: "Dom Casmurro é o irmão gêmeo, posto que com grandes diferenças de feições, se não de índole, de Brás Cubas."



Machado de Assis, c. 1896.


Silvio Romero já há tempo não aceitava o rompimento de Machado com a linearidade narrativa e com a natureza do enredo tradicional e depreciava sua prosa. 

Como se sabe, no entanto, a Livraria Garnier publicava os volumes de Machado tanto no Brasil como em Paris e, com este novo livro, a crítica internacional já passava a colocar em dúvida se Eça de Queiroz ainda seria o melhor romancista da língua portuguesa. 

Artur de Azevedo elogiou a obra duas vezes e numa delas escreveu: "Dom Casmurro é um desses livros impossíveis de resumir, porque é na vida interior de Bento Santiago que reside todo o seu encanto, toda a sua força", e concluiu que "O que é tudo, porém, neste livro sombrio e triste, onde há páginas escritas com lágrimas e sangue, é a fina psicologia das duas figuras capitais e o nobre e soberbo estilo da narrativa."



Machado de Assis comunicou-se em cartas com amigos e recebia outras, satisfeito com os comentários que eram publicados a respeito de seu livro.


 Dom Casmurro continuou recebendo inúmeras outras críticas e interpretações com o tempo (ver Interpretações) e nos dias atuais é visto como uma das maiores contribuições ao romance impressionista e é tratado por alguns como sendo um dos maiores expoentes do realismo brasileiro.
Amei este romance !! Espero que tenham uma ótima interpretação desse maravilhoso romance de Dom Casmurro.



Com carinho Prof Dr Aldry Suzuki













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