domingo, 9 de setembro de 2012

Dificuldades e Distúrbios na Aprendizagem X ALTERAÇÕES DOS LIMITES




Autora: Aldry Suzuki
3.4.3 -  Alterações dos limites


            Ora, só esta ausência de projeto já seria suficiente para provocar um grande estrago na sala de aula e na escola, afinal “para que me comportar se não vejo sentido naquilo que estou fazendo??”. Mas a este fator vem-se acrescentar outros dois, um de ordem circunstancial e outro estrutural. De um lado, tudo isto está acontecendo justamente no momento em que os professores estão submetidos às mais desfavoráveis condições de trabalho dos últimos tempos: má formação, salários miseráveis, número excessivo de alunos em sala, falta de material didático apropriado, falta de espaço de trabalho coletivo constante na escola etc. De outro lado, temos a crise dos próprios limites, alimentada pela necessidade de um mercado baseado na exacerbação do consumo.

            Nesta perspectiva, a quebra de limites é fundamental para poder alimentar a lógica do consumismo, e o grande alvo desta guerra é a criança, elo mais fraco da corrente. Basta ver o número de propagandas dirigidas às crianças ou mesmo usando crianças como chamariz, pois se descobriu que, além de seu consumo direto, a criança hoje tem forte  influência no consumo da família, chegando a decidir desde o tipo de eletrodoméstico até a marca de carro a ser comprado. Quebrar limites – especialmente da criança – tornou-se, pois, fundamental. É um processo social de infantilização, onde é preciso satisfazer rapidamente os desejos sob o fantasma da frustração e até mesmo do “trauma”. O importante é  viver bem o aqui e o agora – vejam a relação com a crise dos objetivos -, desfrutar, fruir. Na casa ao lado de minha mãe no Paraná , uma criança (alguns anos atrás, hoje ela já e casa e a menina dela de 15 anos já e mãe),com  uma série de  atos de protesto, no caso que  os pais se recusaram a leva-la ao shopping durante as férias (ex. bater o pé, não comer, ligar para a avó, etc, manha pura ) e ainda presenciamos este fatos até hoje...Mas fico perplexa com alguns pais, chegam a esboçar justificativa diante da tirania dos filhos: “Veja como meu filhinho já tem personalidade”...

            Cremos que está suficientemente claro como  família também é vítima deste processo: de centro de convivência e espaço de formação básica do ser humano, transformou-se, na ótica da classe dirigente, em unidade de restabelecimento de força de trabalho e de consumo, impelidos, por um lado, para o trabalho em função da queda progressiva dos salários e, por outro, massacrados pelos meios de comunicação, os pais acabam caindo no círculo vicioso: desejo de consumo – busca de recursos – mais trabalho – menos tempo de convivência com filhos – culpa – menos limites – liberação para consumo – mais necessidades de recursos ...

            Bem, a partir destas ligeiras pinceladas, podemos ver o tamanho do problema cujos reflexos estamos enfrentando na escola.


3.4.4 – Obstáculos  epistemológicos


            Quando analisamos a posição dos educadores em relação ao problema  disciplinar, encontramos certas representações mentais, incorporadas mais ou menos fortemente, mais ou menos conscientemente, que podem funcionar como “obstáculos epistemológicos” e, se não forem levantas em conta, dificultar em muito a construção de novas perspectivas de ação dos educadores. Vamos citar três que nos parecem muito presentes atualmente.


3.4.5 – Espera da “fada madrinha”


            A situação anda tão difícil que muitos professores andam sonhando com “fada madrinha, porções mágicas”. Isto chega até ser expresso em tom de brincadeira nos encontros, mas com tal freqüência que não pode ser considerada apenas como caso isolado ou brincadeira..

            O que significaria uma solução mágica?? Basicamente, tratar-se-ia de algo feito pelo outro e que daria resultado imediato. Ou seja, a questão da “porção infalível” é problemática por colocar a solução fora do sujeito e por negar o caráter processual de mudança da realidade.

            De certa forma, podemos entender esta busca de solução mágica também como reflexo de um não conseguir aceitar a situação tal como se coloca hoje, Para a maioria dos professores está realmente muito difícil assimilar a mudança que houve no seu status, nas suas condições de trabalho;neste sentido, a “mágica” representa  certa nostalgia, uma negação pura e simples da realidade.


3.4.6 – Planejamento das alternativas


            Na busca de superação dos problemas, muitas vezes as alternativas encontradas têm uma forte carga idealista, o que significa dizer que não levam em conta um conjunto de determinantes da realidade concreta. É claro que toda proposta que vise à superação tem uma carga de negação em relação à realidade atual – caso contrário, não seria superadora. A distorção do idealismo é exacerbar as possibilidades em detrimento dos limites. Assim, por exemplo, afirmar-se que, para evitar indisciplina, a aula do professor deve ser interessante.

            Até aí estamos de acordo; a questão surge quando vamos aprofundar tal proposta  e vemos que se espera que o professor sozinho interesse a todos os alunos, o tempo todo . Ora, isto seria o ideal; contudo, sabemos que dificilmente ocorrem situações assim no cotidiano da escola. Se a proposta fosse colocada em termos de se criar um clima hegemônico – e não de totalidade – de interesse, com a participação também dos alunos  e não só do professor -, considerando ainda que o estudo é um trabalho, o que demanda esforço, concentração – e não só mera fruição -, estaria, nos parece, mais de acordo com a realidade, sem perder seu caráter superador.

            Outro exemplo: a questão da resolução dos problemas da escola através da tecnologia. Há algum tempo, saiu uma reportagem na revista Veja sobre questões de disciplina, onde, ao término, ficava-se com  a nítida impressão de que o computador era a grande saída. Alguns críticos chegaram mesmo a levantar a hipótese de a reportagem ter sido “encomendada” pelas empresas de informática, tendo em vista a intenção do Ministério da Educação de equipar as escolas com computadores. No entanto, algum tempo depois, a própria revista trouxe outra reportagem onde se colocava que as coisas não eram tão simples assim, pois muitas escolas adotaram o computador e continuavam com os mesmos problemas. É claro, pois a saída não é o computador em si; não adianta colocar a tecnologia se não vier ligada a um projeto político-pedagógico, que dará o sentido e a direção do uso da informática na escola. Devemos estar muito atentos, especialmente na Escola Pública, pois, em função de sua carência muito grande em termos materiais, podemos ficar depositando nossa esperança em algumas soluções mágicas, como esta do computador: “Ah, se tivéssemos computador”... Como sabemos que não é bem assim?? Basta ver o caso das escolas particulares que adotaram computador, cujos alunos continuam entediados do mesmo jeito; eles têm quinze minutos de êxtase com o novo CD-ROM; passado o efeito da novidade, cai-se desinteresse da mesma forma. Isto porque a “novidade” não vem articulada a um novo projeto, a novas relações pedagógicas. Não estamos absolutamente dizendo que o computador não é um  bom recurso; muito pelo contrário. O que questionamos é a visão ingênua de colocar a solução dos problemas educativos na máquina.


3.4.7 – Sensação de “Não –Poder”


            A sensação de não-poder talvez seja hoje um dos maiores obstáculos epistemológicos a serem enfrentados. É impressionante como o professor acabou assimilando a idéia de que não tem forças, de que não pode, de que a solução dos problemas está fora dele.

            Muitas vezes, sente-se desgastado, destruído, traído, usado, acusado, desprezado, humilhado, explorado. Neste contexto, colocar a “culpa” fora dele pode ser a saída inconsciente de autoproteção, não por ser relapso, mas sim porque no fundo acha que não pode, não tem força para mudar. Quando  questionado sobre os problemas, vai logo apontando: “é a família”, “é o sistema”. Ao fazer isto, esvazia sua competência profissional e existencial;perde o senso crítico, pois não consegue se situar diante do real; perde a autoridade, já que não  é responsável por nada. Está marcado pelo impossível, pelo não-poder.

            Freqüentemente, o colocado por ele como condição para iniciar a caminhada é  justamente o resultado de um processo de lutas e conquistas.

            Nas reuniões pedagógicas, nos encontros de formação, quando perguntamos aos professores sobre qual segmento mais próximo poderiam atuar, é muito comum ouvirmos: o aluno!! Isto pode revelar até uma certa esquizofrenia, por não conseguir se perceber, por perder o contato consigo mesmo. Vejam o ponto a que chegamos: a anulação do poder do professor para enfrentar a realidade.

            A situação em que o professor fica é profundamente ambígua: de um lado, está justificado, pois”não é com ele”, mas , de outro, está absolutamente impotente...

            De certa forma, este sentimento de impotência é aprendido no cotidiano social, onde, num caldo cultural de colonialismo e paternalismo, parece que tudo só pode ser resolvido pelos “grandes”; o cidadão comum nada pode. O professor diante do problema disciplinar, achando que não pode fazer nada, parte para  outra atitude extrema: se livrar, expulsar o aluno ( algo semelhante à pena de morte no contexto social mais amplo).

            Assume-se uma impotência na dimensão tanto cognitiva – incapacidade de fazer aprender o aluno que apresenta dificuldade -, quando social – incapacidade de alterar a condição de origem do aluno pobre.

            Este não-poder pode ser real (fruto de determinantes objetivos colocados historicamente) ou imaginário(fruto de representações, mitos, preconceitos). É claro que ambos nos preocupam; porém, enquanto o primeiro é pauta de luta, o último acaba negando as potencialidades transformadoras dos sujeitos.

            O enfrentamento deste obstáculo vai-nos remeter à questão: é possível transformar a realidade? Como??


3.4.8 – Resgate do Professor


            A partir do exposto até aqui, fica claro que um dos maiores desafios é o resgate do professor como sujeito de transformação: acreditar que pode, que tem um papel a desempenhar muito importante, embora limitado. Acreditar na possibilidade de mudança do outro, de si e da realidade.


3.4.9 – O que fizeram conosco


            Já de algumas décadas vem ocorrendo um processo de imbecilização, de destruição do professor, que chegou até a atingir profundamente seu autoconceito, sua auto-imagem, sua auto-estima. Isto é uma perversidade em termos de País. As classes dominantes tiram vantagens desta situação em termos imediatos – um povo sem educação e cultura é mais facilmente manipulado – mas é um suicídio coletivo a longo prazo. Estamos percebendo alguns sinais claros disto: a questão da violência está emergindo com tanta força, que assusta a todos, até os próprios dominantes. Por trás deste fato, há também,com certeza, um trabalho educacional malfeito, seja no sentido da negação da possibilidade do processo de humanização dos sujeitos, seja no sentido da anulação do caráter transformador do conhecimento.

            De onde vem o drama do professor? Em parte, da percepção de que está incapacitado para dar conta de sua tarefa: o mundo mudou, o aluno mudou, mudou a relação escola-sociedade e ele continua o mesmo... o que lhe foi ensinado?? Transmitir o conteúdo, cumprir o programa, controlar o comportamento do aluno através da nota. Hoje, as exigências são outras!! O que dizer de um profissional da Educação que, muitas vezes, não sabe como se dá o conhecimento, não domina o próprio sentido do que ensina, em alguns casos mais extremos nem ao menos domina o próprio  sentido do que ensina, em alguns casos mais extremos nem ao menos domina o próprio conteúdo que ministra ou, quando domina, ensina baseado na mera transmissão? Isto é doído, sabemos; todavia, com certeza, não será “tampado o sol com a peneira” – querendo esconder nossas falhas e deficiências – que iremos resolver os problemas. Insistimos que não se trata de um julgamento moral, com se o professor fizesse isto porque quer, porque escolheu conscientemente ser um mau profissional. Ele  é vitima também de uma lógica desumana e excludente. Mesmo quem saiu dos melhores centros de formação sabe que tem um série defasagem na sua capacitação, até porque a educação escolar, como vimos , é uma atividade de per si extremamente complexa, ainda mais a ser exercida nos dias de hoje.

            Quando olhamos a escola brasileira, o que está produzindo?? Fracasso em cima de fracasso: basta ver os elevadíssimos índices de reprovação e evasão escolar, o baixíssimo grau de aprendizagem dos alunos que tiveram “sucesso” revelado nas testagens nacionais e internacionais de conhecimentos mínimos. Esta sensação de fracasso começa nos próprios professores, por não terem condições mínimas de trabalho. A negação da escola começa pela negação do próprio professor. E isto não é á toa... Precisamos reconhecer sua delicada situação; de certa forma, nunca se pediu tanto ao professor como se pede hoje e, ao mesmo tempo, nunca se deu tão pouco.

            É necessário superar também este processo de infantilização: a falta de autonomia do professor. Amiúde, decisões superiores são simplesmente comunicadas aos professores, que assumem algo em que não vêem o menor sentido. Se o professor não começar a exercitar um pouco a sua dignidade, a sua cidadania, ter coragem de perguntar: por quê? Pra quê? Como?; se o professor não reagir, vai continuar imbecilizando-se. Muitos livros didáticos estão ai para isto também: quer coisa mais ofensiva que um livro do professor com resposta? É um profundo desrespeito...


3.4.10 – o que vamos fazer com o que fizeram conosco


            A grande questão que,a nosso ver, precisa ser enfrentada com urgência e verdade é: muito bem, estamos nos buraco.



Como vamos sair desta??




                                                                                           





            Enquanto não tivermos coragem de enfrentar esta questão, superando os escapismos e os sonhos de eventuais “salvadores da pátria”, não veremos muita possibilidade de mudança.

            Para mudar a realidade, é preciso fazer uma opção muita clara; no entanto, para não mudar não é preciso fazer opção, uma vez que há uma lógica montada no sentido da reprodução. É como o sujeito que vai até ao meio do rio com uma bóia e diz: “Agora vou ser neutro: vou ficar parado; não vou nadar nem em direção à nascente do rio, nem em direção à sua foz”. Pergunta: embora se tenha posicionado pela neutralidade, ficou parado?? Em relação ao rio, sim, porém em relação à margem, não; objetivamente está descendo, embora não tenha optado conscientemente por isso... Há uma lógica em andamento, não podemos ser ingênuos.

            Poderíamos lembrar aqui aquela forte colocação de SARTRE: “ O importante não é tanto o que fizeram comigo,mas o que faço com o que fizeram comigo”.

            É necessário resgatar o professor como sujeito de transformação. Não vai ser mantendo-nos no estágio de heteronomia, onde não podemos pensar, onde tudo vem pronto, que nos estaremos ajudando. Faz-se necessário sair um pouco do “piloto automático”, daquele mecanicismo, formalismo, que nos colocaram e começar a exercer uma das funções básicas de qualquer pessoa, de qualquer cidadão, contudo muito importante para o professor, que é a função da reflexão. Refletir, buscar, comprometer-se.

            Poderíamos lembrar aqui as reflexões de FOUCAULT sobre a questão do poder: onde está o poder? Será apenas nos dirigentes, na mídia? Ou na verdade, embora tenhamos focos fortes de poder, ele tem uma capilaridade, está no dia-a-dia, nos vários agentes sociais? É preciso resgatar e redirecionar estes micropoderes locais, tendo em vista um projeto novo, denunciando e lutando contra o poder que se exerce como abuso:

“(...) todos aqueles que o reconhecem como intolerável, podem começar a luta onde se encontram e a partir de sua atividade (ou passividade) própria”. (FOUCAULT, 1981,p.77)

            Vamos lutar onde temos possibilidades concretas, ao mesmo tempo em que buscamos a ampliação destas possibilidades. Seria importante lembrar que o “sistema” não funciona sem a mediação de agentes concretos, dos quais nós fazemos parte, e que, por via de conseqüência, temos um poder em mãos, em princípio limitado, mas real, e com possibilidade de ser ampliado de acordo com nossa capacidade de articulação. Precisamos criar uma rede ética de resistência a este processo de brutalização social que está instalado em nosso país.

            Acreditamos profundamente no professor; hoje ele pode ter um papel revolucionário (ainda que correndo o risco, ao afirmamos isto, de sermos chamados de “jurássicos”, de utópicos ). Esta onda neoliberal, que está ai quebrando todas as esperanças, tem muitos interesses não explicitados. O professor lida sim com  a esperança, com a utopia; isto faz parte da essência do seu próprio trabalho.
Prof Dr Master Reikiana
Aldry Suzuki

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